Quando trabalhava no CEPED, conheci um italiano que, na época, beirava setenta anos. Era um senhor amável, de boa conversa e, como morava em Vilas do Atlântico, tivemos ótimas oportunidade para “filosofar”. A esposa e os filhos moravam em São Paulo; a comunicação familiar era basicamente por telefone (imagina-se a conta, pois na época não existia Skype nem WhastApp!). Eles tinham um filho na faixa dos 17 anos, ainda sem um rumo definido na vida, e pouco chegado aos estudos. Eu o chamava de “pai de telefone” e mostrava a vantagem: quando se aborrecia com alguma aventura não recomendável, era só desligar o telefone. As coisas que aconteciam com este rapaz eram bobas, é claro: um dia o jovem chegou a casa com o cabelo pintado de azul, outro dia queria trazer a namorada para morar com ele, etc., nada incomum hoje, mas um tanto chocante para início dos anos de 1990, principalmente numa família mórmon.
Ele sempre evitava conservas relacionadas com a Segunda Guerra Mundial. Apenas contou que era muito jovem e participava como mergulhador, cuja função era colocar explosivos nos cascos de navios. Sempre que eu voltava ao tema da Guerra, ele gentilmente desconversava e trazia outro assunto interessante. Mas, um dia, por um acaso qualquer, ele mesmo falou do assunto, não os fatos macabros que eu esperava, mas como a Guerra degradou a família italiana.
Mesmo com algumas diferenças entre os italianos do Norte e do Sul, a mais simplória caracterização da família italiana inclui três aspectos:
1) domingo é dia de pasta em família, uma quantidade exagerada de comida, acompanhada do pão para limpar o molho de tomate, sobremesa e cafezinho;
2) muito falatório, cada um fala mais alto que o outro, sempre gesticulando com as mãos para reforçar, e muita gíria ou palavrão do local;
3) é obrigatória a missa dominical, antes da “pasta”.
Ainda mais, é preciso prestar contas do que se faz para os nonnos, tios, primos, irmãos e todos os agregados familiares (interrogatório). Nos aniversários e casamentos, a comilança é maior e todos estão presentes, até a nonna com mais 100 anos, que se senta em um lugar de destaque à mesa com seu inseparável cálice de vinho.
Na Segunda Guerra Mundial, a Itália, governada pelo regime fascista, tomou o partido da Alemanha e outros países, que foram derrotados.
Segundo o meu amigo italiano, a derrota da Itália foi uma situação aceitável entre ganhar e perder. Mas, o grande prejuízo, quase para sempre, foi a estrutura da famosa família italiana, cujos membros fizeram questão de levar seus ideais políticos para dentro da família, independente da sua opção.
Esta situação gerou um estado de intolerância e ódio nas pessoas que, infelizmente, repercutiu na família: pais, irmãos e primos, e até vizinhos, tornaram-se inimigos, denunciantes ou alcaguetes; a pasta do almoço do domingo tinha que ser planejada para os de um partido e repetida na janta para os do contrário.
Já há algum tempo que me preocupa a situação extremista política de algumas pessoas que conheço, dentro e fora da família. Muitos apoiam ou apoiaram um determinado partido, ou um líder, e talvez já percebessem ou vão perceber que o resultado é contrário ao que se defende ou que se acreditava.
Esta postura é livre, cada qual coloca seus ideais e credos onde e como deseja. No mundo dos civilizados, não cabe julgar e sim respeitar o pensamento do outro. Mas, por mais amável que um se comporte, as ações agressivas, mesquinhas e raivosas de outros podem gerar reações parecidas e daí surgirem denominações depreciativas, tais como foram as do tipo “judeu” ou “herege” de alguns muitos anos atrás.
Meu apelo para 2021 é: acredite no que quiser, mas não deixe sua crença interferir no ambiente familiar. Ademais de nós próprios e da nossa saúde, priorizar a família e familiares é muito importante. Espero não ter que escolher o almoço ou a janta na “pasta” da família no domingo.
(Texto de Célia Martins Neves)