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quinta-feira, agosto 31, 2017

Convite

Perguntou o homem a si mesmo: Quem eu sou e de onde vim? A Antropologia procura responde-lhe essa pergunta. E a Cosmologia que estuda a ordem do cosmos, procura responder-lhes sobre a origem deste, de onde veio, qual o primeiro princípio. E vem a Teologia ciência das coisas divinas, para discutir as razões e motivos a favor ou contra a crença de D'us, o ser criador.

E se D'us existe, por que o Bem e o Mal? Por que não é diferente o mundo? E dessas perguntas, outra disciplina, a Teodiceia (Theos-D'us e dikê- justiça) é quem cabe responder se há ou não justiça no mundo. E como sabemos? E vem a Gnosiologia para explicar o conhecimento.

Mas como se dá o saber? Para responder tal mecanismo eis a Epistemologia que estuda o saber das diversas ciências. E como se formou no Homem a sua inteligência? E eis a Psicogênese que lhe ensinará e discutirá os problemas referentes à formação do psiquismo humano. E o espírito humano, que é criador, como surgiu? Sobre esse espírito criador surge outra disciplina a Noogênese que estuda a gênese do nous, o espirito, e a Noologia, a ciência do espírito. Mas como funciona esse psiquismo? E eis a Psicologia que se encarrega de propor resposta à pergunta formulada aqui.

Mas, significam as coisas algo, dizem mais que o fenomênico? E eis a Semiótica que examina as significações das coisas. E há algo mais oculto, que possamos penetrar mais profundamente? e eis a Mística, que quer responder a pergunta. E as coisas são belas, apresentam em si mesmas algo que lhe deem outro valor. E então é a Estética que estudará esse ponto.

E o transcendente? Podemos alcançar o que está além de nós, além de nossa experiência? E eis a Metafísica Geral, a Ontologia, para responder a tais perguntas,. E como se dão os fatos no universo? Temos a Ciência que procura explicar o nexo do acontecer dentro de si mesmo, e de sua imanência, no que mana em (dentro de si), suas coisas experimentais. E como medir e contar os fatos? Temos para isso a Matemática.

E como compreender o Homem em suas relações com os outros? São a Ética, a Moral, o Direito, a História e a Sociologia que propõem-lhes respostas.
Como compreender o nexo dos pensamentos e usa-los da melhor maneira para atingir uma iluminação, que nos mostre mais nitidamente os fatos? E eis a Lógica e a Dialética.

Como explicar tudo isso, dar o nexo a tudo, juntar todo o conhecimento humano e analisa-lo em um grande corpo, num grande saber, que seja o saber de tudo, que seja o saber dos saberes, e eis a Filosofia.

(Convite à Filosofia - Mário Ferreira dos Santos)

sexta-feira, outubro 30, 2015

A feira

Sou um homem de família. Um homem direito. Vou à feira aos sábados. E por isso estou aqui parado com a lista de compras na mão, enquanto a outra segura o carrinho. Ele me sai detrás da árvore e fica na minha frente com os braços estendidos retos ao longo do corpo como que avaliando minha reação por vê-lo usando uma de minhas bermudas... Sigo andando, passo pela Igreja Batista que apregoa sua existência pelas letras pretas: Igreja Batista do Jardim Botânico.

- Interessante a teologia dos crentes, não é? Me pergunta para puxar conversa.
- É. Respondi econômicamente enquanto acendia um cigarro.
- Deus para os crentes é um quadrado infinito, apesar de infinito contem forma e em algum lugar fronteira - explicou Walser examinando um dos bolsos da bermuda.

Ele ficava bem na minha  bermuda emprestada. O que procurava no bolso afinal? Ah, achou um papelzinho. Walser adora papeizinhos, ele escrevia suas obras neles em alemão gótico com letras de não mais um milímetro de altura.

- É verdade. Atribuição de caracterísitcas humanas a Ele é uma prática comum por aqui.

- Pobres homens, precisam de ajuda. Os deuses talvez devessem e pudessem fazê-lo, caso existissem, mas não existem; o que há é apenas um único Deus, demasiado sublime para ser de alguma valia.
Prover ajuda e alívio, tais coisas nem seriam apropriadas ao Todo Poderoso ou pelo menos é o que eu sinto.

Tentei articular uma resposta, mas ela fugiu como faz a lembrança de um perfume.

Retomei meu caminho para a feira. Ele me seguia, as vezes dando saltinhos esquisitos. Aqui entre nós, além de imaginário Walser é um carinha excêntrico.

- Você não me parece tão medíocre quanto a época em que vive, prosseguiu.
- Você está dizendo isso apenas porque veio de minha imaginação, respondi dando outra tragada.
- Não tenho dúvida, meu caro, o Mal é necessário como parte do Bem maior, inexpugnável. Sem o Mal não há o livre arbítrio - arrematou Walser gesticulando também querendo um cigarro.

Mefistófeles está aqui para isso.

 

segunda-feira, outubro 26, 2015

O estranho

Ia sempre ao mesmo estabelecimento mas não, não queria ser reconhecido. "Lá está ele" - "esteve aqui ontem"- imaginava todos pensando isso quando o viam, ser apontado pelo costume de frequentar o lugar era- lhe insuportável. Hoje, foi ao supermercado com um bigode falso, um sorriso emprestado e um olhar alheio. As vezes ia vestido de  centurião romano, apesar de achar que essa roupa chamava muito a atenção no século XXI.

Agora sim, um espião da guerra fria, gravata estreita, e ar de poucos amigos. Traje bom para comprar manteiga e brocolis.

Para carnes, usava o traje de Neanderthal que lhe caia bem, apesar dos problemas que teve com a policia ao fazer o fogo no chão do supermercado. Largou a prática, mas manteve o traje. O açougueiro o olhava desconfiado, mas não roubava no peso.

Nas frutas, imaginou usar algo militar, turco, quem sabe. Não deu certo, a polícia o deteve com meio kilo de manga, uma espada e uma lança tentando pegar o metrô de Londres.

Só tinha um amigo. Em vez de cabeça, seu amigo tinha em seu lugar uma abóbora, em lugar da língua, uma folha de carvalho pendia-lhe da boca, em vez de olhos, tinha apenas dois buracos redondos, e através dos buracos chamejavam dois tocos de velas.

No dia que ventou muito, as velas se apagaram. Agora jaz aqui, a dormir sob o viaduto da própia imaginação. Escuta músicas nunca feitas, conversa com gente inexistente e faz arte.

Enfim, o amor é o ar do espírito.

In memoria Robert Walser

sexta-feira, outubro 23, 2015

Um ensaio para a morte

Transformação física. Me torno um monstro? Mudo de aparência? Não, apenas estou morrendo, a cada dia, a cada segundo sigo me transformando em um cadaver.
A transformação se deu durante esses 70 anos, lapso de tempo para o silício, eternidade para a borboleta.

Transformação teratológica. Começou por me doer algo, a urina se tornou verde, meu apetite se alterou. Minha imagem no espelho desaparece. Meu duplo que não está no espelho, me toca a mão. Quem morre? Eu ou ele?

Quem está vivo possui suas possibilidades, não as possuo mais. Não possuo mais possibilidades, possuo apenas uma. E uma possibilidade, deixa de ser possibilidade, passa a ser certeza, e daí passa a ser realidade. A realidade é uma única certeza, pensada ou vivida.

A morte é transformação que não conhecemos o resultado. Equação sem um dos lados. A equação da continuidade sem o zero.

A morte poliglota se aproxima [ poliglota também é o nascimento]. Escutem, me enterrem sem caixão, assim as árvores me levarão para as suas copas e vou tomar sol novamente, lá do alto.

A vida me matou.

segunda-feira, outubro 12, 2015

Em busca de um grande talvez.


Um jovem decidido, robusto, com porte militar, caminha durante o início de uma manhã escura de sábado em Paris. Faz calor naquele final de verão de 1530. Seus olhos demonstram a expectativa, todas as possilidades, sentimento  comum a todos os jovens de vinte anos. Traja uma capa longa que o proteje mais dos olhares curiosos do que de uma fraca chuva teimosa que o molha enquanto trás consigo uma pequena espada e uma cultura humanista em progressão. Carrega um livro que mantem contra o corpo. Dois corvos se irritam quando ele passa e saem voando reclamando na língua dos corvos, enquanto pardais ocupados o ignoram. Desvia-se de uma poça aqui, da bosta dos cavalos acolá, caminho esse que o leva a traçar uma navegação própria, como se fosse um barco a navegar em um rio com bancos de areia. Em meio ao vai e vem dos desvios, entra em um beco anônimo, como todo beco deve ser.

Quase ao fim do beco encontra uma porta à sua esquerda que aberta, se torna a moldura de uma escada de madeira escura e estreita. Ao subir toma cuidado redobrado em carregar o livro (que fala em latim), com a ponta da capa, com o ranger da madeira, com o cansaço e com a ansiedade que persegue seus passos. Outra porta surge ao final da escada. Ao abri-la encontra um par de olhos ansiosos e interrogativos sob um chapéu no meio de uma cabeça regular, um par de lábios bem feitos e por um bigode em forma de arco que compõe um sorriso amigo, professoral, satisfeito, aliviado. É um padre que usa um hábito um tanto desgastado que não condiz com o homem bem apessoado que o utiliza, a roupa lhe empresta aspecto de personagem disfarçado dele próprio. Mantem as duas mãos à frente segurando um livro aberto, enquanto a luz humana de duas velas luta com a luz divina do amanhecer que entra flutuando pela janela semiaberta. Aquele rosto de aspecto entre beatificado, divertido, fingindo-se de surpreso aparenta 40 anos, mas não era assim divertido que o recém-chegado se sentia. Estava concentrado na sua missão noturna que acabara de completar ao colocar o livro sobre a mesa de carvalho gasta junto a um suspiro de alívio. O livro ficou imóvel acompanhando um pedaço de pão e um pedaço de queijo, ambos de procedência e constituição bastante incerta, como tudo naquele ambiente, uma mistura de sala com cozinha, um grande cômodo com palha espalhada pelo chão, que só aumentava a sensação de calor e abafamento. Também havia vinho. Retirou a rolha da garrafa e cheirou seu conteúdo, antes de colocar um pouco do líquido turvo na única taça existente, bebeu acompanhado pelo olhar curioso do padre impossível:

- Não foi difícil, foi? – perguntou o padre colocando o livro que segurava sobre a mesa.

Para enxergar o título do livro, o recém-chegado pegou uma vela de chama nervosa para verificar tratar-se do último livro de Erasmo sobre os discursos de Cícero: “Dialogus Ciceronianus”.

- Não como imaginei, mas de qualquer forma foi estranho - informou o jovem - não gostaria de ser pego com um livro escrito por um herético, mesmo sendo o livro de sua propriedade.

François Rabelais levantou-se e abriu um pouco mais a janela..

- Você encontrou sua Excelência, o Bispo? Fez a pergunta sem olhar o interlocutor, enquanto apagava as chamas com o dedo previamente umidecidos de saliva.

- Encontrei-o, Sire. Disse que Sorbonne já havia proibido a circulação de livros em linguas outras que não o francês, e que esse livro em especial, era um livro proibido, mas como o senhor não é mais um frade, isso não lhe dizia mais respeito. Em seguida ele saiu da sala deixando o livro sobre a mesa, eu só fiz apanha-lo e sair da abadia. Ele também disse que o amado frade foi açodado em sair da ordem, deveria lá ter permanecido após a tutela.

Estas últimas palavras tiveram um efeito sobre Rabelais. Ele se voltou, encarou o jovem, dizendo com determinação:

- Realmente considero um excesso o confisco da literatura latina e grega, por parte da Sorbonne mas como poderemos ter “Uma Fé! Uma Lei! Um Rei!”, se não possuirmos “A lingua mãe!”? Disse isso se empertigando e emprestando um ar solene, imperial ao discurso.

- Vamos começar a escrever em um francês iluminado pela sabedoria dos antigos, meu caro. É isso que faremos.  E isso ainda irá me curar dessa doença que me acomete – disse sorrindo.

- O senhor está doente? – perguntou o jovem – acho seu aspecto muito bom.

- Sim, estou doente. Estou sem dinheiro – riu alto Rabelais – digamos que o casamento não me fez bem.

Rabelais se referia ao casamento de Luis, sobrinho de Geoffroy, Bispo de Maillezais. Como era seu tutor viu-se repentinamente sem ocupação remunerada quando o mesmo se casou.

Geoffroy, Bispo de Maillezais, ajudou a Rabelais deixar a abadia beneditina de Saint Mesmin. Com sua influência na política eclesiástica, conseguiu os livros confiscados de Rabelais e agora os estava devolvendo. Era uma biblioteca de livros escritos em grego e latim que lhe fora confiscado quando Rabelais ainda se encontrava franciscano em Fontenay-le-Comte e, misteriosamente estava também acrescentando alguns livros à biblioteca original do frade.

O confisco de literatura grega, ao final de 1523, foi a reação do corpo docente da Faculdade de Teologia de Paris à publicação dos “Comentários” de Erasmo sobre o texto grego de São Lucas. Agravado pelo que se seguiu à publicação do livro: a propagação das idéias do mais respeitado humanista de então, Jacques Lefebvre d’Ètaples que afirmava ser a Bíblia o único fundamento da doutrina de Cristo, que os dogmas posteriores eram criados pelo trabalho de homens e que era necessário abandonar as instituições religiosas autorizadas pela Igreja para um retorno ao puro evangelho.

Foi com muita preocupação que aqueles teólogos tradicionalistas da Sorbonne viam crescer a cada dia uma inquietação espiritual em alguns dos mais eminentes intelectuais, independente da nacionalidade, que ao investigar a inteligência dos trabalhos originais da filosofia sem seus comentadores aceitos pela teologia vigente, elaboravam perguntas, levantavam novas questões, o que incomodava aquela inteligência constituída e confortável.

- Que ironia, se as obras mais preciosas da cultura grega chegaram até aqui foi graças aos copistas da Igreja. Lutero deu uma grande lição ao mundo ao traduzir a Bíblia da vulgata para a língua alemã. O grande livro não precisa mais de nós padres para fazer suas mensagens chegarem ao povo, pelo menos na Alemanha. Veja a importância em possuirmos um só idioma, uma lingua mãe caro Nicolas – disse Rabelais.

Nicolas Villegangnon trabalhava como um mensageiro de confiança, um transporte literário nas suas horas de folga dos estudos, era a forma que achou para não ficar parado. Em Paris levou várias cartas de Rabelais para Guillaume Budé, Jean Bouchet, Pierre Amy e Jean de Boyssonné. Mas era a primeira vez que saía da cidade para uma missão como essa de transportar um livro de um herético. Ao sair de Paris, e passar pelos campos no verão, era como se lhe fosse  devolvida imagens e sensações de sua infância cada vez mais distante. Estava agora preso à essa cidade fedorenta. Gostava de François Rabelais, um padre que lia e traduzia do grego para o latim com grande capacidade. Sua tradução de Heródoto do grego para o francês causou repercussão no meio estudantil no qual Nicolas estava participando. Mas acima de tudo Rabelais fazia a separação digna das possibilidades da juventude com a realidade da maturidade.

- Você sentiu medo? Perguntou Rabelais examinando o semblante do jovem.

- Sim, senti medo disse Nicolas.

- Isso é muito bom, meu caro – reagiu Rabelais após uma pausa, movendo a cabeça como se tivesse repentinamente acordado de um pensamento profundo.

- O medo é o irmão da prudência, prosseguiu, se virando novamente para a janela que emoldurava o Sena preguiçoso. É essencial sentir medo. O homem corajoso sente medo, mas o vence, o incauto nunca sente medo e, portanto não tem o que vencer. É só um irresponsável. Não há homem acima do medo e que possa gabar-se de a ele escapar, o medo está presente em toda a nossa existencia.

- Concordo Sire.

- E por falar em medo, você observa certo desespero no comportamento dessa nobreza, meu amigo? Pergunta Rabelais. As consultas astrológicas, os amuletos, os ossos dos santos comprados a preços absurdos.

- Sim, já observei. O que acha a que se deve isso?

- Se deve ao medo da mistura dos elementos, meu jovem, ao medo da mistura dos elementos.  

Rabelais tinha uma característica marcante dos homens sábios: sabia fazer as perguntas.

- O que estou entendendo é o seguinte, prossegue Rabelais tomando uma cadeira e sentando-se - imagine um cavaleiro de armadura bem nascido e criado, forte, frente a um tiro de arcabuz dado por um camponês. De que adianta atualmente, um nobre sentado dentro de um castelo que pode ser destruido com meia dúzia de tiros de canhão, ou com duas minas bem colocadas? Completou erguendo uma sobrancelha demonstrando espanto.

- Realmente não tinha pensado nisso.

- Sim, e isso não é tudo, diz Rabelais - devido ao preço a pagar por essas armas, somente os grandes soberanos poderão possui-las, a nobreza menor está condenada, meu caro.

- Deveras, para onde isso irá nos levar? Disse Nicolas.

- Pois além do preço das armas, há a necessidade de se contratar artífices para delas cuidarem e as fazerem funcionar a contento. O soberano precisará de soldados fixos na guarnição da artilharia. É muita mudança por causa do resultado de uma mistura de elementos alquímicos – disse Rabelais

E, então continuou um pouco mais agitado que o habitual, arregalando os olhos eventualmente como para carregar na importância do argumento:

- Conseguimos destruir muralhas, arremessar imensas pedras com canhões à grandes distâncias ao reunir em um pó de uma mistura de 66% de salitre, 22% de carvão e 12% de enxofre, enfim reunimos diferentes elementos cada um com diferentes qualidades que excitadas pelo calor de uma chama libera essa força diabólica.

- Aqui na França o artífice que funde o sino para as igrejas é o mesmo que funde os canhões, para isso só aumenta a quantidade de cobre e diminui a quantidade de estanho, honra a Deus e ao diabo, sorri Rabelais - A mistura, caro Nicolas, a mistura. A cura na medicina vem pelos remédios, que não passam de misturas. As fórmulas mágicas, não que acreditemos nelas, mas alguém crê, vêm das misturas, e finalmente como cozinhar, como fazer um bom prato que não seja pelas misturas. Até as palavras, não são nada mais do que misturas das mesmas letras.

- Haverá um fortalecimento do Rei, do poder central, em detrimento dos outros nobres. É isso o que o senhor está dizendo.

- Eu não diria mais exatamente – confirmou Rabelais.

- Então posso entender que será caminho mais seguro trabalhar para a realeza do que para a nobreza menor – disse Nicolas.

As conversas com Rabelais eram um complemento necessário e fundamental à sua formação, sabia disso, pois enquanto na escola estudava o conhecimento considerado constituido, as conversas davam um sentido, atavam um nó com a realidade. Só o conhecimento estudantil lhe parecia inútil se tal vínculo não existisse.

- A grande maioria dos seres humanos trabalha coagida, e dessa repulsa natural dos homens ao trabalho derivam-se os mais graves problemas. Eis o que os tornam nervosos, irritáveis e maldosos. Na verdade o trabalho é a punição ao pecado original, assim está na Bíblia. Ninguém gosta de ser punido afinal – continuou Rabelais secamente.

A carreira eclesiástica era a mais apropriada para os filhos da média nobresa sem aptidões para as carreiras militar.

Mas Rabelais ama o que faz, ama a medicina, a literatura, a alquimia, tanto em ler como em escrever, enfim ama o livre pensar. É esperto demais para se deixar levar pelas correntes sociais vigentes, se aproveita delas sem dúvida, não se deixará levar. Ao contrário da grande maioria, não se envergonha de ser um tipo de artífice, que é assim que vê as ciências. Por algum estranho motivo, Rabelais odeia a verdade pronta, não aceita um argumento até entendê-lo. Nasceu sem fé, e assim permaneceu, dizia gracejando aos que privavam de sua intimidade:

- Só estuda teologia quem não tem fé. Quem tem o dom da fé não precisa da retórica para explica-la – resumia Rabelais sobre a dificil questão que colocava em lados opostos vários doutrores da Igreja e Humanistas – confidenciava aos mais íntimos, como Dolet e Marat.

O gracejo entre irônico e perplexo de Rabelais pareceria a primeira vista ser um argumento contra os escolásticos para quem “amar sem conhecer o objeto amado era um absurdo conceitual”. Humanistas e Helenistas, tais como Rabelais, Budé e até Erasmo utilizavam com frequencia o jargão italiano “studia humanitatis” – expressão ciceroniana – para o conhecimento da gramática, retórica, história, poesia e filosofia. E os reformistas de Lutero completaram isso ao afirmarem que o estudo verdadeiro da ciência divina se dava pelo exame diretamente da bíblia e não através de seus comentadores: a Igreja.

Rabelais lia com gosto um livro obrigatório na abadia de Fontenay le Comte,  Itineratium mentis in Deum” de Bonaventura de Bagnoregio, (Doctor Seraphicus e Doctor ecclesiae para a Igreja e humanistas), o santo franciscano, predominantemente escolástico, mas também humanista que havia ensinado em Sorbonne mais de duas centenas de anos antes.

Apesar de viver regrado por um sino, sendo obediente às horas, Rabelais gostava da reclusão onde estudava profundamente seus livros, e não sem muita surpresa tinha se deparado com a obra de Bonaventura considerado por muitos de seus colegas como retrógrado para a época.


Mais foi Pico della Mirandola, em seu livro Corpus Reformaturum que Rabelais leu que mais o abalou. Gostaria ter sido as obras de Erasmo ou de More, mas foi o livro de Pico, por alguma estranha razão que lhe acendeu uma luz distante em uma estrada muito escura, e atrás dessa luz que ele resolveu seguir como um bicho noturno.

Ao defender os escolásticos dos argumentos do humanista e retórico, Hermolao Barbaro, que ridicularizou os escolásticos, classificando-os de “homens extintos mesmo durante suas vidas”, Pico citou, em sua obra, Tomas de Aquino, Duns Scotus, Alberto Magno e Averrois:

“Esses não eram homens que andavam na companhia de gramáticos e pedagogos, mas na companhia de filósofos, homem que estudavam o príncipio das coisas humanas e divinas – suas mentes, e não suas línguas eram feitas de mercúrio. Se os escolásticos parecem ser excessivamente argutos e diretos, escrupulosos e curiosos, ansiosos e morosos, é devido estarem envolvidos na busca mais séria das questões da verdade primeira”.

Pico não considerava como perigo real aqueles homens irem tão longe à busca dos princípios primeiros, como Hermolao afirmava, mas sim em perderem o interesse completamente pela própria procura em si. Entendia como perfeita e ideal nos antigos seu apreço à sabedoria e não à oratória, ratio não oratio, doctrina e não dictio. Para reforçar o argumento, ele lembrava que Platão tinha excluido os poetas de sua república, e que Cícero teria preferido ficar em uma ineloquencia prudente a manter uma loquacidade desinformada. Para resumir seu ponto de vista, Pico cita o contraste entre o poema de Lucrecio, De rerum Natura e o poema de John Scotus Erigena De divisione naturae:

“Quem duvida que Erigena fala mais sobre a verdade do que o eloquente Lucrecio? Veja como Erigena fala com uma lingua desajeitada, mas Lucrecio com uma mente tola; Erigena possui uma lingua ignorante das regras dos gramaticos e dos poetas, mas Lucrécio não conhece os decretos de Deus e da natureza; Erigena fala com a mais infantil das línguas sobre as mais elevadas coisas; enquanto Lucrécio, por outro lado, prega as mais eloquentes impiedades”.

Rabelais estranhou a comparação e se sentiu estimulado a encontrar uma cópia do livro de Lucrécio. O que seria tão tolo em Lucrécio, a ponto de seu poema ser considerado impiedoso por Pico della Mirandola?

Além do livro de Pico, contava Rabelais com a segunda edição de Utopia de Thomas More, lançada em 1517 em Paris, alguns livros de Luciano, Cícero, Ockham, Aristóteles (em grego), faltava-lhe agora Lucrécio.

Fé, para Rabelais, era como um dom. Ou se nasce com ela, ou pode-se até obtê-la, através do conhecimento intelectual de algunas coisas que se reputem verdades indiscutíveis, mas não será bruta, interna como o dom.

-Sou um cético, disso não tenho dúvidas, mas não tenho a fé como gostaria e invejo quem a tenha.

Ao dizer isso Rabelais se recordou de epis como ele e Pierre Amy “consultaram Virgílio” para saber que providencias tomar quando seus livros em grego foram-lhes confiscados na abadia franciscana. A consulta consistia em abrir a Eneida aleatóriamente e interpretar o significado do texto encontrado, naquele dia saiu:

Heu! Fuge crudeles terras! fuge littus avarum.

O pensamento de algum Platão e de Bonaventura entra em seu raciocínio: “Estimas ser possível conhecer a alma sem conhecer suficientemente toda a natureza?”. Essa inteligência ocorreu a Rabelais enquanto ser recordava ter usado

Nicolas Villegagnon se despediu com uma meia vênia e saiu deixando Rabelais com suas reminiscencias que esperou a porta fechar, e somente então encarou o livro com certo alívio. Abriu-o e o conteudo iluminou seu rosto, finalmente seu livro mais precioso lhe era devolvido, De rerum Natura, de Lucrécio Caro. “Agora sim posso me entender melhor com ele”, pensava entre os dentes, enquanto se via enviando uma longa carta para Erasmo de Rotterdam, que certamente a leria extasiado, com um sorriso nos lábios.

Nicolas desce a escada sem se voltar. Sua educação lhe impediu de examinar o livro, mesmo sabendo de que se tratava de um livro importante como sugerido por Geoffrey d’Estissac. Estava cansado da viagem da abadia de Maillezais à Paris apesar de tê-la realizado com calma, cuidando para não ser identificado e assaltado, cuidando para não ser tomado por um algum nobre. Não se acostumava a essa carreira de correio, mas percebia ser um início de carreira que poderia lhe ser útil de alguma forma, afinal era de confiança, e já possuia apesar da pouca idade, contatos importantes.

quinta-feira, julho 04, 2013

Planeta dos Macacos



Nos anos 60, um filme de ficção que me marcou bastante, pelos princípios físicos com que  o enredo começava, eu um estudante de Física à época, foi o Planeta dos Macacos, com Charleston Heston. Ele partia da Teoria da Relatividade do Einstein para explicar a volta da nave ao planeta Terra no futuro. A história todos conhecem.
 
A Física no entanto, continua a evoluir e tentar explicar o universo em que vivemos. Já temos teorias como os "Buracos de Minhocas", "Teoria das Cordas" , dos "Universos Paralelos" e outras mais. Todas tentam entender o que é o TEMPO, que como conhecemos, corre sempre num único sentido, como um rio. Bom, isso na Física. No comportamento humano não é bem assim. Porque digo isso.

Num debate sobre opções sexuais recentes em Salvador, eis que, um parente foi tachado de PRIMATA. Ora, como somos da mesma espécie, pelo menos eu pensava, o epíteto atingiu a todos.  Na sequência, um dos agora "primata", alegou que o dente extraído há algum tempo, de acordo com datações e avaliações de arqueólogos, era típico dos Neandertais.
Como compartilho da família dessas pessoas, senti-me como um dos chimpanzés do filme, ao ter contato com o "ser" do futuro. A partir desse fato, passei a encarar a possibilidade da "Viagem no Tempo" como real, inclusive de achar, que alguns "seres" desses Universos Paralelos, por alguma torção no Espaço-Tempo, caiam em nossa realidade.

Há muito tempo, assisti um filme com Robert Redford e Natalie Wood em que ele contava um caso de um gato que sonhou que era homem e esse homem sonhou que era gato. Quando o gato acordou ele não sabia mais se era homem ou gato. Outro caso semelhante, era da professora ensinando a Teoria da Evolução do Darwin, e o garoto perguntou se o homem tinha vindo do macaco. Quando ela confirmou, veio a pergunta: E qual foi o primeiro homem que sentiu que já não era mais macaco?

No fundo, no fundo, eu estou com medo de ir para a cama e não saber o que vou acordar.




Álvaro Alfredo Risso

domingo, junho 30, 2013

DEUS E A DÚVIDA

      Gru, nosso primitivo ancestral, pensava. Todo ser vivo pensa – como já foi aventado. Gru exercitava o pensamento, o que o levava ao conhecimento da existência da água, do solo, das árvores, de tudo aquilo que ele pudesse ver e até mesmo tocar. Mas Gru não alcançava a idéia de que a água escorria da parte mais alta para a parte mais baixa.

     Gru, curioso, forçava o pensamento, chegando à imaginação: “.. Druzu era pequeno e cresceu; eu também cresci. Por que?” Gru descobriu porque ele, Druzu e muitos outros cresceram: “Cresci, e também todos os outros, porque comi, e também bebi água. O leão come, e bebe água, por isto cresce; e as árvores? Bem, deixa p´ra lá...”
      Gru, assim, começa por estimular ainda mais o pensar, dirigindo-se pelo caminho que o leva à racionalidade e o conduz a iniciar-se na exploração do raciocínio.

     O que se achava na proximidade de Gru era materializado, tocado, não despertando o recurso aprofundado da imaginação e não o conduzia ao afunilamento do pensar que conduz à dúvida. Porém o que se encontrava distante, sobre sua cabeça ou no horizonte longínquo e intocável, intrigava o observador. Aquela imensidão intocável, incompreensível, torturava, angustiava Gru.

     Jean Paul Sartre diz que a vida é angústia. Estaria Sartre conflitado pela dúvida? Há pessoas que convivem e administram a dúvida, enquanto outras não conseguem tal convivência (e administração).

     Para quem não consegue conviver com a dúvida, esta precipita a decisão, a solução. Diante desse dilema Gru decidiu extirpar a dúvida – criou, concebeu Deus, o gestor de tudo que não compreendemos.

     Gru foi o primeiro ser humano a encontrar o alívio para a angústia provocada pela dúvida.

Nilson Barreto - Salvador - Junho 2013

quinta-feira, junho 06, 2013

A Utopia da Melhor Idade

Finalmente consegui assistir a palestra de Leandro Karnal que Bel e Fernando recomendaram. Excelente, recomendo.
Para quem quiser ver aqui esta o link.
http://www.cpflcultura.com.br/2009/12/01/integra-a-utopia-da-melhor-idade/
Para iniciar a discussao vou colocar aqui os pontos principais que aprendi.

1 - Adolescencia e juventude: estes conceitos foram criados na segunda metade do seculo XX. Eu participei de meu modo da revolucao cultural dos anos 60/70. Antes da palestra eu achava que minha geracao era o maximo pois se rebelou e melhorou o mundo. Agora compreendo que nos fomos os primeiros a rebelar porque fomos os primeiros com esta possibilidade.

2 - Suicidio: ele discutiu suicidio, como pessoas insatisfeitas acabam no suicidio. Com o nosso nivel atual de bem estar material, nao faz sentido para mim que uma pessoa ache problemas suficientes para chegar nisto. E uma questao de ver somente o ponto preto em um quadro branco e de nao compreender que nosso mundo muda constantemente. A coisa boa de ontem vai acabar, voce tem que prestar atencao para achar a proxima.

3 - Era melhor antes: Escutamos muito disto, especialmente com violencia. E claro que quando eu cresci em Conquista era uma cidade de somente 40.000 habitantes que ficava longe de tudo, transporte era dificil para todos, ate para ladrao. Se voce quiser mudar para uma vila de 2.000 habitantes longe de cidade grande sem transporte nao vai ter violencia, mas nos queremos ficar no meio da acao em Salvador, terceira cidade do pais, sem violencia.

quarta-feira, junho 05, 2013

Lygia Pape



Lygia Pape foi uma artista neoconcretista carioca (1929-2004) que junto com Hélio Oiticica e Lygia Clark fizeram uma verdadeira revolução nas artes brasileiras. Decorrente desse movimento, posteriormente foi possível o surgimento do cinema novo, da tropicália etc.

Como somos vizinhos de sua família aqui no Jardim Botânico, seu genro me pediu um texto singelo sobre uma das obras, encenada em Hong Kong semana passada. A obra é nomeada, Divisor. O Divisor é um lençol de 30 m por 30 m onde se encontram furos onde os participantes colocam suas cabeças, ficando o lençol preso aos ombros dos mesmos. Segue o texto sobre a obra, que está colocado na página do Facebook da artista.



Divisor


Lucrécio foi o primeiro filósofo a articular a teoria da ideologia, pela qual uma elite promulga a mistificação da realidade com o propósito de manter uma população submissa, servindo a seus próprios interesses.

A filosofia epicuriana inicialmente libertava os homens dos “medos da mente”. Os medos provinham então dos fenômenos atmosféricos, e portanto, na visão dos antigos, de fenômenos celestiais, como eclipses, tempestades e terremotos que eram tomados como manifestações do divino, eram tentativas, por parte dos deuses, em ferir os homens e destruir suas posses.

Lucrécio, em sua teoria da ideologia, entendia que a filosofia deveria também libertar os homens da servidão in/voluntária a outros homens e deuses.

Em contraste com o sistema aristotélico, cuja ontologia misturava matéria e forma, substância e qualidades, os quatro elementos, os quatro tipo de causas, movimento celestial e terrestre, e os processos de geração e extinção, o sistema epicuriano era facilmente visualizado e entendido, uma vez que o mesmo reconhece formalmente somente o cheio e o vazio, “corpus et iname” sob movimento. Os átomos se encontram na e pela turbulência: é a raiz da construção atomista. A circunstância da geração é de tempo incerto, em lugares incertos, em todo caso não determinada.

Com exceção de Thomas Hobbes nenhum filósofo do séc. XVII pôde reconciliar seus pensamentos ao sistema atomista e suas consequências na moral, política e religião, identificando como Lucrécio, séculos antes uma teoria para a servidão.

Felizmente temos uma indicação mostrada pela genialidade do neoconcretismo de Lygia Pappe: Divisor é uma obra que representa de imediato, os corpos e o vazio que os separa (corpus et iname). Secundariamente estabelece ligações que os mantêm juntos. Na obra não se admite a presença da turbulência, o movimento deverá ser laminar se o grupo se puser em movimento, havendo apenas uma direção a ser tomada. Nesse caso não haverá a criação, pois não há turbulência (caos). As ligações estabelecidas são equidistantes impedindo experiências individuais, tentativas, ousadias, crenças, testes de circunstâncias, onde se procuraria um possível progresso, os elementos estão antes de tudo ligado ao todo.

A identificação dos elementos da obra se faz pelas cabeças dos indivíduos, não pelo seu corpo, não pelo todo-indivíduo.

Divisor é a representação contundente da ideologia, seja ela moral, política ou religiosa, e infelizmente, nunca foi tão atual.



sexta-feira, maio 24, 2013

Um bom início para quem se interessa por filosofia, a Alegoria da Caverna (legendado) -


Há um erro na tradução no final do filme, ganha uma bala Juquinha quem descobrir.

Pode-se evidentemente tratar o título como a Representação em Schopenhauer.
Para os orientalistas, poderia ser o "Véu de Maia", que sempre encobre o real, pois o véu fica sobre o rosto do observador: Poderíamos nos atormentar (Oh! nunca verei o Real), mas hoje tenho mais de uma representação para o Real (que nunca irei conhecer) - iniciou pela história contada,(a representação dentro da representação, dentro da representação, uma vez que há o real (desconhecido por todos), há a representação passada pelo contador, e a minha ao ouvir a história. Depois foi a escrita (linguagem do ausente, segundo Freud- se houver tradução, há mais uma dupla de representações em jogo), a televisão (imaginem a progressão disso),  e agora o próprio computador  (linguagem do ausente + presente, penso eu).
Perguntado uma vez sobre o que para ele era Real, Goedel respondeu: o número, ou como dizia Victor Hugo, quando o poeta diz de Notre Dame de Paris vista por Quasímodo "Para ele, a catedral não representava apenas a sociedade, mas, mais do que isso, o universo, a natureza inteira".

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Não existe verdade, existe versão....Acudam-me, filósofos!...


Álvaro me questionou sobre a frase acima que está também no lado direito superior no blog, que incomoda a ele,  pois do seu ponto de vista, que suponho ser do Direito:

“Não existe (mais) o FATO, mas sim versões.
A Verdade  não deixa de existir, independente do tempo.”

Navegando pela internet encontrei esta historinha que exemplifica bem a verdade e as versões:
“Dois agentes secretos rivais entram em uma sala, cada um entra por uma porta oposta ao outro. Então percebem que no meio da sala tem uma mesa com uma bomba-relógio, entretanto, cada agente apenas vê um lado da bomba: um deles apenas percebe que ali tem um relógio e nota que vai despertar em 10 minutos, só viu isso. Porém, o outro agente (no lado oposto da sala), apenas viu várias bananas de dinamite conectadas, mas não vê detonador algum. Só viu isso também. Ainda não sabem que se trata de uma bomba-relógio.
Pontos de vista diferentes, então cada um tem sua verdade exclusiva, única e independente?
A realidade é apenas uma, ou seja, ambos estão diante de uma bomba-relógio que vai detonar em 10 minutos, mas cada um vê apenas parte dessa realidade.
O agente que viu as dinamites diz: “tem uma bomba aqui, mas não há detonador!”. O outro, que é um agente rival e desconfiado, diz: “impossível, só há um relógio aqui, seu mentiroso!”.
Pois bem, o primeiro agente juntou as informações e compreendeu a realidade dos fatos e, obviamente, fugiu. O agente “dono da verdade” ficou e morreu com a explosão.” (Christian Brito)
Depois o autor conclui ser possível chegar a Verdade Absoluta.

A minha intenção com esta frase era que qualquer história poderia ser contada no blog independente de ser verídica.  Ou melhor, a verdade de um nem sempre é a verdade do outro. E aqui não precisamos provar nada...
No caso  acima fica  claro que a verdade existe e foi provada, mas se por acaso não existem provas,  a verdade continua existindo?
Andei lendo por aí que não há consenso entre os filósofos sobre o que é a verdade. Outra frase que coloquei no blog porque também achei interessante, dentro do mesmo espírito, esta de Nietzsche, que achava que a verdade era um ponto de vista:
"Não há fatos eternos como não há verdades absolutas".

Enfim... aguardo opiniões, versões, verdades, pontos de vista....

sábado, dezembro 01, 2012

Brincando de Filologia

O post anterior foi escrito para mostrar o grau de pesquisa que envolve tentar escrever um livro sobre um século que não se viveu (é óbvio). Uma questão simples na verdade é o maior problema que me deparei. Como falava o homem do sec XVI?. E, por conseguinte, como o sujeito pensava. Se não há o vocábulo não há a idéia. Absoluto e Abstrato, por exemplo não existiam no francês da época, mas alguns dos meus milhares de leitores podem argumentar, "Ó algoz careca das palavras, havia o Latim". Isso é fato. O latim já era então uma língua morta, mas aprendida na França durante a infância dos mais cultos. Havia o latim dos professores e o latim dos estudantes (que era mais chulo, mais objetivo). Voltemos aos exemplos, absoluto em latim é (ou era) absolutus, mas seu significado era "inacabado", não tinha emprego filosófico. Abstrato por sua vez, era abstractus, que significava isolado ou distraido. "..para traduzir uma idéia, é preciso já possuí-la; que o sinal da posse em semelhante matéria é a palavra; que quem não tem a palavra em seu francês vulgar, evidentemente não pode procurar como traduzi-la para o latim", ensina Lucien Febvre, que brilhantemente pergunta: "O latim era capaz de dar à luz idéias que hesitavam em nascer?".

Adequado aparece em Spinoza, (1660), materialismo é de Voltaire em 1734, coordenação ou classificação é de 1787 ("esta palavra bárbara forjada há pouco", conforme o Dicionário de Francês na época), racionalismo é do século XIX, e assim por diante.

Agora vamos transportar essa dificuldade filológica para o campo das ciencia exatas. Aí o cão chupa manga dentro da garrafa. Boyle é de 1662 e Mariotte 1676.

Imagino Dennis Papin (1647-1712), o inventor do conjunto pistão-cilindro fazendo seu experimento (ele já havia criado a panela de pressão e realizado o famoso jantar para 400 pessoas em 4 horas, na Royal Society em Londres, incusive o Rei. Como ele não conseguia explicar seu invento achou melhor fazer o experimento para que todos vissem e o comessem).

Bom, o experimento que viria a se tornar um motor a vapor foi feito com um tubo de cobre de 50mm de diametro, onde ele ali introduziu um pistão de madeira e couro bovino, o pistão podia deslizar no interior do tubo. Uma das extremidades do tubo foi fechada herméticamente, e a outra permaneceria aberta. Próximo à parte aberta do tubo, Papin fez um furo e colocou um batoque que poderia segurar o pistão quando o mesmo estivesse naquela posição. Ele colocou um pouco de água no fundo do tubo e deixando o pistão livre ele colocou o tubo no fogo, de modo que a água transformada em vapor empurrou o pistão para o alto. Na posição do furo ele introduziu o batoque prendendo o pistão naquela posição, colocando em seguida o tubo no gelo. Transformada em água o vácuo foi criado. Tirando o batoque, o pistão desceu violentamente. Ironicamente, somente em 1712 ano de sua morte é que Newcomen (Thomas), construiu o primeiro motor a vapor.

Mas por que isso tudo aconteceu na Inglaterra? Porque a parte da metafísica de Aristóteles que chegou à Oxford não foi a tradução latina (via os Romanos), como aconteceu na Universidade de Paris, mas sim uma outra parte pela tradução árabe. A Universidade de Paris a segunda a ser fundada na europa (a segunda foi Oxford) possuia Teologia, Direito (canônico e eclesiastico), os franceses só vieram a mexer com tecnologia quando fundaram Escola Politécnica (que era de inspiração militar) em 1794.

Ora, os árabes mais sábios mantiveram os escritos em grego obtidos nos balcãs, e como moravam na Espanha (mais precisamente Córdoba), o citado conhecimento da física, passou para a recém fundada Universidade Inglesa.

Por aí se pode ver a importancia da tradução literária, da palavra e do pensamento da filosofia no crescimento do mundo, mas aí já é outra história.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Eu estava a dever esse texto: D'us segundo Spinoza

DEUS SEGUNDO SPINOZA


“Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é
que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.

Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo
construíste e que acreditas ser a minha casa.

Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.
Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há
algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho...
Não me encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem  me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?

Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular,
para te controlar, que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio,
nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.

Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim.
Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas
tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.

Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que
estou, batendo em ti."

segunda-feira, janeiro 02, 2012

A casa que tremia.

Fui convidado simpaticamente, diga-se de passagem, para um reveillon de arromba em uma praia não muito distante de Salvador. A viagem transcorreu tranquila, com direito a um pit stop (dendê stop), em Cira/acarajé. A festa de reveillon transcorreu tranquila. com direito a filhos e fogos. Comida maravilhosa e companhia sem par. Eis que chega a hora de dormir, e assim a maioria se dirigiu para suas caminhas, com exceção de nossas personagens, incansáveis na arte de arrumar a casa, e lavar tudo que encontrassem pela frente (sim, a ala feminina do 904).

Às duas e meia da manhã ocorreu o incidente, hoje conhecido nos meios científicos-filosóficos, como o incidente do Stela Maris. Sem chover a casa começou a produzir água em níveis industriais. Descia pelo telhado, pelos tetos e pela escada, aquela que subia para os quartos.

Nossas personagens, naquele momento encontravam-se em estado de torpor (à espera de buscar filhos e sobrinhos adolescentes na balada). Sem trocadilho, o incidente foi uma ducha de água fria. Na falta de orientação decidiram se comunicar com a dona da casa, que naquele momento festejava um merecido reveillon.

(Nesse momento foi descoberto então que a casa tremia, a casa toda tremia. O portão tremia, as paredes tremiam, e a água furiosa continuava a aguar). Após informações trocadas, descobriu-se o inusitado: um botão inadvertidamente acionado (atrás do sofá, que foi mexido para alojar um conviva)acionou uma bomba subterrânea, muçulmana, inexplicável até aquele momento.

A 'realidade' da máquina é a necessidade do usuário.

domingo, setembro 26, 2010

Schopenhauer, Dialética Erística I

Para Aristóteles, há quatro formas de argumentação em uma discussão, são elas: poética, retórica, dialética e a analítica (hoje denominado lógica). O filósofo também esclarece que há três fatores determinantes da persuação, que devemos ficar atentos: a pessoa do orador, os fatos de que ele fala e o teor dos argumentos.

Mas Aristóteles, assumia que a honestidade estava por trás da argumentação dos interlocutores.

Schopenhauer, por sua vez,estudou a argumentação desonesta, típica dos debatedores que hoje encaramos no dia a dia.

A dialética naturalmente não é uma arte de convencimento, nem propriamente de discutir, mas uma técnica de confrontar os argumentos contraditórios oferecidos em resposta a uma questão, para encontrar os princípios de base que permitam dar à questão uma resposta mais racional. É uma arte de investigação, que serve também, para o treinamento escolar e para debates públicos.

Aristóteles admitia além das quatro ciências do discurso ainda a Erística e a Sofística (ver Refutações Sofísticas).

A ERÍSTICA é definida como a arte da discussão contenciosa, ou belicosa, onde se trata apenas de vencer uma discussão e não de buscar uma prova (per fas et per nefas).

Podemos discutir por: Recht haben (ter razão realmente, estar com a verdade) e Recht halten (agarrar-se à razão, insistir teimosamente em ter razão quando não se tem).

O Evento do Ano: Casamento de Vanessa e Pier

  Desde o momento da entrada de Vanessa com Luciano me lembrei do casamento de Ivana, como ela estava vestida de noiva, tão bonita quanto a ...