Texto de Célia
Morei em São Paulo com meus irmãos (e Dona) de
1968 a 1975, quando retornei à Bahia, formada em engenharia civil e
casada com Ademário.
Durante este período, queridas pessoas, que
vinham a São Paulo geralmente para compras ou exames médicos,
hospedavam em nosso apartamento. Não havia whatsapp e telefone
existia no posto telefônico e era usado para emergências e datas
especiais – dia dos pais, dias das mães e aniversários, natal,
etc. Os hóspedes sempre proporcionavam conversas
maravilhosas, além das notícias frescas da família e da terra.
Tio Edinho aparecia praticamente a cada 6 meses
para comprar charque e bacalhau e, tenho cá comigo, para dar um
pouco de atenção aos sobrinhos distantes. Era uma festa todo dia:
ia para a escola ansiosa pela chegada da noite para saber das
novidades do dia, acompanhadas com o humor e o impressionante tino de
observação de tio Edinho das coisas e hábitos paulistanos.
Quando estava na faculdade, tio Edinho ia mais
amiúde, pois estava de namoro com Cecília, a irmã de Roberto
Falcão, amigo de Lula. Aí a farra já envolvia os sobrinhos e os
amigos, quase todos já se sentindo dentro da família: Rodolfo,
Abraham e Moisés, entre
outros.
Certa noite, saímos para tomar uma biritas.
Estávamos de carona com Cecília e, para retornar, tio Edinho fez
questão que Cecília ficasse na sua casa e nós iríamos de ônibus
para a nossa. Saímos andando pela madrugada, conversando e dando
muita risada de tudo, principalmente pelas observações constantes
de Tio Edinho a tudo que via. Andando, o dia amanhecendo, chegamos ao
Parque de Ibirapuera, onde há um enorme monumento dos Bandeirantes.
Não resistimos, subimos no monumento. Aí, aparece a polícia, muito
bem armada, nos manda descer, pede nossos documentos e perguntam:
“onde vocês colocaram a bomba”? Quase desmaiamos ou quase fomos
presos... Finalmente, depois de nos revistar e confirmar que não
passávamos de uns tolos deslocados desta época um tanto conturbada
politicamente, com sequestros e bombas. Ao chegar a casa, Amélia já
estava acordada nos esperando. Tio Edinho contou nossa aventura e, é
claro, caladinhos, recebemos o valoroso sermão de Amélia.
Outra
noite e em outra
visita, saímos para tomar cerveja. Estava um pouco frio, mas não
importava, tínhamos os casacos e os casos de Edinho para aquecer.
Depois de muita conversa e cerveja, saímos do bar e, ao chegar ao
carro, tio Edinho e Abraham chegaram abraçados com uma cadeira de
madeira dobrável entre eles. Não sei como coube, mas é certo que
entramos todos no meu fuscão com a cadeira. Era madrugada e ao
chegar a casa, deixamos a cadeira armada na sala e fomos direto para
a cama. Na manhã seguinte, saímos todos cedo para a escola. Quando
retornei, estava minha mãe, que coincidentemente estava conosco,
sentada com seu inseparável crochê, conversando com tio Edinho.
Amélia estava muito brava, dando um belo sermão em Edinho,
acusando-o de corruptor de menores por “roubar” a cadeira do bar
e exigia que ele retornasse para devolver. Como sempre, o sermão de
Amélia não comoveu Edinho, muito pelo contrário, ele argumentou e
convenceu a Amélia do valor “histórico e sentimental” da
cadeira “roubada”. A cadeira ficou comigo até quando nos mudamos
de Vilas para os Estados Unidos, quando distribui a maioria dos
nossos móveis pela família. Não sei se alguém ficou com esta
cadeira. O certo é que ela, realmente, teve o valor “histórico e
sentimental” preconizado por Tio Edinho.
Itaquara, está órfã..
A partida de Edinho Barreto deixará uma lacuna que só um tempo longo poderá aliviar.
Homem cortês, solícito e de uma generosidade ímpar, "Seu" Edinho, irradiava sabedoria e lucidez de onde morava, em sua fazenda Paris.
Na sua discrição, recebia a todos que o procurassem, sem distinção nenhuma. Conseguia transpor as conveniências do homem comum, e tratava em igual medida, de um magistrado a um homem simples, sem letras. Não havia diferenças para ele, entre um agricultor humilde e um grande fazendeiro, quem o visitasse, sentava na mesma cadeira, recebia o mesmo tratamento, a mesma atenção.
Era, como ele dizia, "na cozinha da casa que devemos receber os amigos!" E era assim mesmo, era de lá que ele, literalmente, destilava a sua sabedoria, sua cultura, seus conselhos. A sua presença de espírito, forte e acolhedora, era visível no seu sorriso, até mesmo em uma galhofa, ou piada.
Seu Edinho não tinha convenções, quem estivesse próximo a ele, sentia, na pureza dos seus sentimentos, a fluidez que emanava do seu caráter. Autêntico nas suas ponderações, não reclamava e nem recriminava a ninguém, e, se o fizesse, era por alguma importância, sempre para o bem...
Leitor voraz, de décadas, era raro citar uma obra clássica que ele não tivesse lido.
Falasse de Cervantes, Edinho Barreto emendava, como resposta, um trecho completo da obra.
Falasse de Tolstoi, Edinho Barreto descrevia um cenário russo do livro.
Falasse dos pensadores, ele desdobrava, dos Pré Socráticos aos contemporâneos.
Quem passasse, 01 hora apenas, na presença desse grande homem que se foi, saia de lá com o espírito renovado, com mais coragem para a vida.
E por aí ia... não tinha ego, na acepção da vaidade da palavra, ao contrário: era o oposto disso. Como em certa história quando estava diante de uma certa magistrada, que, por alguma razão, o tratou rispidamente e com grosserias, perguntando o que ele queria, ao que ele respondeu com calma e brandura, fazendo a "dotôra" ficar desconcertada...
Pois era assim, A placidez de seu jeito, sereno, ocultava um gigante!
Edinho Barreto, meu amigo de vários anos, foi, seguramente, um dos grandes homens que conheci nessa minha jornada terrena.
Um grande abraço, saudoso amigo...
(Texto do amigo Antônio Patrício)
TEXTO DE LILIAN