terça-feira, outubro 15, 2024

15 de outubro - Dia do Professor

No tempo da palmatória

Estudei o curso primário (ensino fundamental) no tempo da palmatória. O professor era um senhor de fisionomia nada amigável, branco, alto, barrigudo, careca e usava óculos de aros finos. Irritado ou com raiva, ficava vermelho, gritava, xingava e ameaçava os alunos. E batia quando achava necessário.
Para mim havia uma vantagem, ele não batia nas meninas, afirmava sempre que homem não pode bater em mulher (isso se aprendia na escola), nem nas sabatinas os meninos podiam bater nas meninas. Sabatina era uma lição sobre verbos ou tabuada, ele perguntava a um aluno, se esse não soubesse a resposta, perguntava ao seguinte e ao seguinte, o que acertava dava um bolo de palmatória nos que falharam. Inadmissível hoje, a disputa motivava os meninos, pelo menos para bater nos colegas. Os meninos apanhavam se não soubessem a lição, as meninas ficavam “presas”, isso é permaneciam na escola no final do expediente para estudar.

Esses tratos e mal-tratos eram coisas aceitas pela sociedade ate o inįcio dos anos 60, portanto não podemos julgá-los com os valores atuais, mas ė claro que deixou traumas em alguns. Conheço ex-alunos que se sentem assim, comentam os excessos de maldade do professor e dizem que ele bajulava os filhos de pessoas importantes e atormentava os outros. Na minha percepção ele bajulava os bons alunos e não tinha paciência com os demais, mas eu era inocente demais para julgar de outro modo.
Com tudo isso, para mim ele foi um grande professor, seguia o padrão de ensino do Colégio Militar, era patriota e ufanista, lembro muito das aulas de história e de sua empolgação ao falar de D.Pedro II, Duque de Caxias, Jose Bonifácio. Confesso que tive muitos pesadelos estudando sobre a Guerra do Paraguai.
Rui Barbosa era outro dos seus heróis, com frequência falava da participação de Rui Barbosa na Conferência da Paz na Holanda quando recebeu o titulo “Águia de Haia” , dizia que Rui perguntou: “ Em que língua quereis que vos fale, cavalheiros?”… não sei se é fake!…rs
Ele valorizava muito o país, tudo do Brasil era melhor que o resto do mundo, exaltava-se ao descrever a Amazônia, a floresta, o rio, o encontro das águas , a vitória-régia e o fenômeno da pororoca. Todos esses ensinamentos formaram imagens indeléveis que trago na memória até os dias atuais.
O professor ensinava latim no ginásio e tinha grande conhecimento da língua portuguesa. O mais inesquecível para mim, os poemas que ele declamava e dissecava para a gente, mostrando cada detalhe. Ate hoje sei de cor o soneto de Camões: “Alma minha gentil que te partiste..”, e me recordo de suas explicações: a tristeza do poeta por ter perdido sua amada tão cedo. “Se lá, no assento etério, onde subiste” , o que ele quer dizer com “assento etério”? e assim por diante… Pois é, estudávamos Camões no curso primário.
Ele também era grande admirador de Castro Alves, e declamava: “ Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes. Embuçado nos céus?”, ou fragmentos do Navio Negreiro: “….. Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!”.
E foi assim que comecei a me encantar com palavras …
Permaneço encantada até hoje.

Obrigada, Professor Moura! 

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