Como alguns devem saber, a Fazenda Paris não tinha luz elétrica no inicio da década de 80 e tampouco televisão. Os jovens e as crianças vinham sendo criados até aquele momento com pouco contato com a cidade, não faziam ideia do que era um desenho animado, o boneco Falcon, o Superman e seus amigos, era outro mundo. Me lembro que quando a energia chegou colocamos televisão e passamos quase a primeira noite inteira assistindo, uns 20 caras pendurados nas janelas da sala, alguns sentados no chão quase toda madrugada, assistíamos tudo, inclusive as propagandas, meu pai passava às vezes para mandar o pessoal piscar para não secar o olho, falava brincando mas conferia um a um – Jão piscou? – Pisquei Seu Edin!, - e Déo piscou? – pisquei três vezes – Boa! quem não piscar entra no banheiro e lava o rosto, todos piscavam para não perder uma cena. A noite ia bem e, de vez em quando, algum falava – Pisca senão Seu Edin vai mandar lavar o rosto, todo mundo piscava. Não me lembro muito os nomes dos programas de tv, mas assistimos a todos os jornais, novelas e o Corujão, acho que o conteúdo nem fazia muita diferença, o aparelho da TV em si já era um espetáculo, pessoas, cavalos e carros dentro de uma caixa, isso intrigava, em alguns momentos levantavam para ver alguma coisa por trás enquanto os outros narravam a cena, era bem engraçado, -Tá passando um cavalo, tá vendo aí? -Tô não, tem só uma luz!, meu pai passava e dizia que para enxergar tinha que usar o olho esquerdo meio aberto e meio fechado, mas podia cegar, nessa hora o pessoal se afastava e voltava para frente do aparelho, o equipamento impressionava mais do que o roteiro, até que de repente surge um tal programa chamado “Sessão de Gala”, aí foi um susto no meio da noite, os mais velhos gritaram – O que!? Eu que não fico aqui, perguntavam – É isso mermo? de gala? – Desliga isso Kim! -Lá ele!, outro gritou, seu Agenor não falou nada, simplesmente levantou saiu e nunca mais o vi assistindo a tv, Zé Rodrigues levantou e mandou Déo, seu mais novo, levantar para ir dormir em casa, Déo melindrou e Zé endureceu – Vai assistir um negócio de gala home?! tome vergonha!, outros riam de cair no chão, pois gala, para o nativo, é esperma. Eu tinha uns 12 anos e só entendi a debandada anos depois, a audiência foi reduzida para 2 ou 3 para assistir Noviça Rebelde, passaram a madrugada toda esperando a moça tirar a roupa. Pela manhã Tóin Marques tentou contar o filme e disse que a moça rodava que nem um pião e não via a hora dela cair no chão, outros disseram que tinha um tabuleiro com um Braquiara (tipo de capim) que cabiam mais de 1000 rezes e assim eu ia assistindo uma crítica completamente diferente das que tinha visto antes na minha vida.
Mas então, voltando a minha história com Nego Júli, algum tempo antes da luz chegar eu estava conversando com ele a respeito da cidade, dos prédios, explicando que as pessoas moravam em casas uma em cima das outras e tudo mais, até que ele falou que foi em uma cidade perto e que a estrada era feita de Rio-Bahia, perguntei – O que é Rio-Bahia? Ele respondeu, -É um trem liso, liso, liso sem buraco nenhum, - É asfalto? – Não, ele respondeu, - É Rio-Bahia, -É preto? –É meio preto, mas tem umas listras, disse ele – Isso é asfalto rapaz! retruquei, – Não é Rio-Bahia, asfalto eu não sei o que é, é liso também? – É liso sem buraco, - Apois, Rio-Bahia também é liso que nem esse asfalto, mas deve ser mais preto, nessa hora eu fiquei curioso de saber o que era Rio-Bahia, mas precisava explicar o que era asfalto pro Nego Júli, então fomos atrás de alguém para elucidar o caso, como estávamos longe de casa recorremos ao primeiro que passou e era Seu Agenor, pai de Júlio e cortador de madeira, o Nego perguntou, - Ô pai, Rio-Bahia é o mermo que asfalto? – Eu num sei.. deve ser né?, Seu Agenor não ajudou muito e nossa dúvida permaneceu por longos meses até que fomos para Salvador e quando pegamos a BR116 Nego Juli olhou para mim apontando, - Aqui a Rio-Bahia!, eu falei – É isso que é asfalto! – Oxe, é do mermo então, nessa hora o motorista explicou, - Aqui é a Rio-Bahia que é feita de asfalto, - Ahhhh, eu e Nego Júli aprendemos. Voltando então ao filme da Noviça Rebelde, no dia seguinte, durante a explicação das cenas para os que saíram da sessão, Nego Júli foi falar que a moça tava atravessando o asfalto e o pessoal perguntou – O que Juli? –Asfalto! –Que diabo é isso? –Na Rio-Bahia!, repetiu Nego Júli para se fazer entender e nessa hora ele me deu uma olhada com um sorriso de quem tinha aprendido algo.
Há 35 anos atrás...
3 comentários:
Quase morro de rir.
Oxe... Oxe... que moda!...
Adoro seus "causos". Quando falou em secar o olho me lembrei que depois dos 50 nem adianta piscar, os olhos secam mesmo. :(
Postar um comentário