A pedido de Ferro, o
grande Industrial.
O ano, 1965.
Perdido de tanto amar, resolvi, passar um mês em São Paulo
e Rio de Janeiro (aqui, é outra história). Afinal, meus inesquecíveis tios Dora
e Onésimo, e a prima Nete, que ainda morava com os “velhos”, me fizeram o
convite.
Depois de trinta
horas de viagem em estrada de cascalho, desci de um ônibus numa rodoviária que
não recordo o nome, provavelmente a Estação da Luz, às quinze horas. Fui
caminhando, (isto mesmo, caminhando!) com uma maleta surrada (ainda não havia
roldanas nas malas) - sempre gostei de caminhar apesar de nunca ter sido um
Forrest Gump - para a Rua Monsenhor Passalaqua, esquina com a Rua Brigadeiro
Luís Antônio. Quase duas horas de caminhada. Enquanto isso, admirava os belos
edifícios do trajeto.
Que tempos, heim?
Caminhar por São Paulo, imaginem!
Por volta das 17
horas, cheguei ao destino. E após os cumprimentos de praxe, imediatamente
queria sair para conhecer a metrópole. Pedi, então, à minha inesquecível prima
Nete um pequeno roteiro que pudesse ir e voltar. Ainda não tinha o Google
Earth, né!
E lá fui eu!
Na frente do Mappin,
encontrei duas garotas e comecei, como um bom baiano, a puxar conversa. Na
frase seguinte, chamaram os “guardas”. Sem entender o que se passava, dei a
volta no quarteirão e, como não vi nenhum guarda, disse a elas:
“as paulistas gostam
de homem ou de mulher?”.
Novamente, chamaram o
guarda e, aí, me mandei, fui parar na Praça da República.
Por volta das 18
horas, cheguei à Praça e, logo-logo, fui abordado por um “cara” estranho – o
politicamente correto me impede de dizer o que parecia ser –. Imediatamente,
fui eu que chamei o guarda.
Seu guarda!!!!!!!
Fazia parte dos meus
planos em São Paulo, comprar um equipamento fotográfico de primeira qualidade.
Pensei na Yashica Mat, realmente a melhor daquela época.
Dia seguinte, numa
loja na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, vi numa vitrine vários
equipamentos maravilhosos. Anotei os preços e, encostado a uma grande pilastra
de um cinema da vizinhança, fazia contas, mentalmente, para ver se o dinheiro
dava para comprar a máquina dos sonhos e curtir o restante das férias. Levei um
bom dinheiro, evidentemente, todo o adiantamento das férias.
Enquanto pensava, um
sujeito fardado de azul bateu no meu ombro. Olhei para trás, e, depois, para o
alto, pois o cara tinha algo como dois metros de altura. Até parecia Alváro.
Por quatro ou cinco
vezes, o guarda perguntou: “documentos?”. Não entendia nada do que pedia! Para
mim, falava russo. Depois de vários questionamentos, tirei uma carteira de
identidade, cujo plástico estava quebrado, e dei a ele. Colocou no bolso do
“sobretudo” e ordenou que caminhasse na frente até a sala que, parecia, do
gerente do cinema. Comigo iam mais cinco sujeitos.
O “gerente”
perguntou: malandros?
O guarda respondeu:
Desocupados, estão na porta do cinema quando deveriam estar trabalhando.
(Para quem não viveu
aqueles tempos, veja: “desocupados, estão na porta do cinema
quando deveriam estar trabalhando”. Época em que havia trabalho
para todos, a gente procurava um cara para trabalhar e não encontrava, tinha
que dar treinamento, treinamento, treinamento”. Viva os tempos áureos!) O
PIB crescia a 9, 10, 12 e até a 14%. Era outro Brasil!
Voltando.
Sentamos, todos os
desocupados, num banco grande no fundo do gabinete do gerente, gordo, mas
vestia um belo terno cinza, dando a impressão de ser um grande empresário. E
enquanto o policial fazia, ou “fingia” fazer ligações para algum quartel, os
“convivas” iam se levantando e justificando o porque estavam ali. Um dizia, estou procurando emprego, veja o
documento. O outro estava de passagem quando fui abordado, etc. e tal.
Sem dever nada a
ninguém, acendi o meu “saudoso” cigarro Carlton. E como só tinha eu, e ele
continuava a dedilhar o tal telefone preto, pensei:
Vou me defender também.
O puto do policial
disse: “que folga, apague esse cigarro!”.
Apaguei, claro!
Continuava a
perguntar:
O que você fazia na
porta do cinema a essa hora?
Respondia a mesma
ladainha:
“Eu sou de Salvador,
da Bahia, trabalho no Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, estou de
férias aqui em São Paulo!”
Ele perguntava
novamente: O que você fazia na porta do cinema?
Foram,
aproximadamente, seis vezes a mesma pergunta e, consequentemente, a mesma
resposta. Pensei em correr, fugir, mas, me lembrei de que a carteira de
identidade estava com ele.
Já exausto e pensando
que tinha entrado numa fria, perdi a paciência e gritei, literalmente, a ponto
do gerente do cinema intervir e me chamar a atenção por estar gritando.
“Senhor, não sou malandro, sou cidadão trabalhador. Já
lhe disse a mesma coisa dez vezes e o senhor não quer, ou não quis ouvir”. Enfatizei: Sou empregado do Banco do Comércio e
Indústria de São Paulo, em Salvador, estou de férias em São Paulo”.
Nesse ínterim, tirei
a carteira do bolso – que, por sinal, estava recheada de grana (imaginem se
fosse nos dias atuais), pois ia comprar a tal da máquina – e tirei o “aviso de férias” do Banco, e, abaixo, a
carteira de estudante de Economia. Ao ver aquilo, já com outra abordagem, com
outro tom de voz, pediu para ver.
Ao examinar, devolveu
os documentos, caminhou comigo até a saída, pediu inúmeras desculpas e me alertou:
“Se algum policial solicitar sua identidade apresente-a logo com o aviso de
férias e a carteira estudantil”.
Finalizou pedindo
mais desculpas, e dizendo que, ali, ficavam muitos terroristas buscando momentos adequados para atacar.
Era maio de 1965!
Ainda bem que não era
2017, senão, teriam me roubado tudo!
(Hamilton Ipê, enviado por e-mail)
5 comentários:
Tio, você precisa escrever mais no blog. Suas histórias são sempre ótimas.
Abs,
Igor
Em 1964 (talvez), fomos passear em São Paulo, eu, Iris e Célia (com Noemi) e também nos hospedamos na casa de tia Dora na Rua Monsenhor Passalacqua... Como o apartamento era muito pequeno e morávamos em Conquista, em casas com muito espaço, ficávamos agoniadas e costumávamos ficar na entrada do prédio, jogando conversa fora, não tinha play-ground. Todo dia tinha uma reclamação do zelador... Fazíamos "passeios de ônibus".. (rs..), íamos para Brigadeiro Luíz Antônio, pegávamos um ônibus circular, e depois saltávamos no mesmo lugar... Na época eu e Célia tínhamos mais ou menos 12 anos e Iris 15 anos. E fazíamos esses passeios sós. Quem nessa idade tem essa liberdade hoje?
Sem querer ser saudosista... Bons tempos!.. Bom Brasil!...
Belas histórias!os jovens eram alegres e felizes!
Afinal, comprou ou não a máquina fotográfica?
Alvaro,depois eu conto a história.
Minho
Você estar se revelando,terminando esta etapa,vamos escrever um livro.
Falta completar a história,vamos cobrar de Roblis e Arlia.
Roblis........meu casamento visto por tia Amelinha.
Arlia.........meu tormento na Igreja Sião
Assunto para dois livros.
Parabéns Hamilton você é o cara.
Fernando
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