Comecei a olhar em volta em busca de
novas emoções e vi que o Fusca 67 era igual de um filme dos trapalhões, onde
Didi segura com a mão o parachoque, sentei no meio e vi que aquilo era um
excelente assento. A possibilidade de ter a mesma emoção do caminhão, mas dessa
vez com a segurança de voltar para casa me alegrou, viajar sentado, poder olhar
para os lados seria um luxo, era ali que ia sentar. O problema que para o carro
andar era preciso de uma motorista, a minha mãe, que não ia concordar nem um
pouco com minha brincadeira e que tinha um cinto que ficava na bolsa enrolado
para uso eventual, tive que desconsiderar esse risco, pois se eu ia voltar para
casa no final qual seria o risco? não haveria risco, seria um passeio de retorno garantido, passei então a imaginar quando
seria essa viagem. Por alguns dias monitorei D. Lucinha saindo com o carro, calculando tempos, fazendo ensaios mentais, mas não consegui solucionar como sair de casa sem ser visto. Tinha uma coisa a meu favor, a porta de
casa era uma porta de ferro com vários vidros, um deles vivia quebrado por conta
da bola que sempre batia lá e dava para eu passar pelo buraco do vidro, então
meu local de escape já estava definido. Um belo dia ela estacionou o carro de
ré e depois do almoço ela disse que iria ao mercado, eu estava brincando de
cabeça baixa e continuei, mas já calculando os passos para escapar pelo buraco da
porta. Depois do almoço ela pegou a bolsa e foi saindo, eu continuei brincando,
ela fechou a porta de casa e através do vidro vi que ela havia se virado de
costas, rapidamente corri por trás da cortina e escapei pelo buraco do vidro,
nesse momento ela estava arrodeando o carro para entrar, me abaixei próximo ao
pneu traseiro, quando ouvi que a porta se abriu me posicionei no fundo, quando
ela sentou no banco sentei junto, ela não viu nada, ligou o carro e lá fomos
nós!.
Nos primeiros 100 metros a turma do bar da esquina deu uns
gritos, acho que minha mãe pensou que fossem bêbados e acelerou.
Eu tentei tirar uma mão do suporte para pedir silêncio, não consegui, passamos
em frente a rua de Pat e não há vi, graças a Deus senão eu seria denunciado imediatamente,
seguimos em meio alguns buracos da rua Rui Ary Barroso e naquele trecho inicial
da rua tinha muito buraco, o carro ia devagar, molhei o pé em algumas
poças de lama, vi que o passeio seria além de tudo refrescante, mas vi que não
dava para colocar o pé no escapamento porque tava esquentando, fui com o pé
pendurado. Fomos seguindo mais à frente e mais gente gritando e Dona Lucinha seguindo
sem ver. Eu sacudia de um lado para o outro e quase caí, a sorte que o suporte
do fusca segurava meu corpo, deu um certo medo passar pelos buracos, mas graças
a Nossa Senhora das pistas chegamos rápido no asfalto, aí o medo mudou de cara.
Nos primeiros segundos senti um alivio tremendo por falta de buracos, mas logo
em seguida veio um medo enorme por conta da velocidade, ela acelerou e tive que
fazer força para me segurar, aguentei firme até ela estabilizar a velocidade,
foram segundos deliciosos sem buraco junto com medo de morrer. De repente vejo um carro vindo em minha direção
e meu corpo gelou daquele medo dele bater em mim, o coração apertou, mas deu para ver que o
carro tava diminuindo a velocidade e tinha uma moça do lado que tava abrindo a
boca. O cara tava de boca aberta também e começou a buzinar ambos gritando com
a cabeça de fora, o cara voltou para dentro do carro buzinando, eles tentaram
ultrapassar, mas não deu, então voltaram a buzinar incessantemente, eram uns
desesperados, fiz cara de blasé. Neste momento começou acender uma luz no meu
lado esquerdo, estávamos chegando no mercado e a moça do carro ainda gritando e
a buzina comendo solta, minha mãe saiu da pista em direção ao mercado e o carro
passou do lado, a moça tentou dar o ultimo aviso e nada, dei língua para moça.
A entrada do Paes Mendonça era de barro, uma poeira
infernal, começaram novamente pessoas gritando na rua, a rodoviária era do lado
e tinha muita gente a pé, mamãe reduziu a velocidade para entrar na área
calçada, senti um alivio novamente e comecei a pensar se dava para voltar na
mesma posição, mas o povo do mercado foi logo apontando o dedo para o “minino”,
então quando o carro parou eu saí do fundo e fiz uma pose de Fred Astaire e
gritei – Tcharam!!!! Mamãe tomou aquele susto, me falou alguns palavrões, me
mandou esperar no carro enquanto fazia compras, voltei meio desconfiado, quando chegamos em casa tomei uma surra. Eu ia inventar um novo esporte, desisti.