Capítulo II - 2024 As melhores viagens que fiz, não saí do lugar
Em 2024 conheci muitas pessoas interessantes… Ops… pessoas ou personagens?… Pessoas, claro!… Alguém duvida que Dom Quixote existiu? E Raskólnikov? E Capitu? E um certo Capitão Rodrigo?… enfim, saiu da cabeça do escritor, publicou, existiu!…
E por falar nisso comecei o ano com o nosso Dom Quixote: Policarpo Quaresma (Lima Barreto) que também enfrentou moinhos de vento para provar que sua terra, o Brasil, é a mais fértil, mais rica, tem as mulheres mais belas, a melhor comida, os melhores governantes.. rs.. -enfim, o melhor lugar do mundo é aqui.
Na China conheci A Imperatriz de Ferro (Jung Chang), Cixi (1835-1908), a mulher mais importante da história chinesa, foi concubina do imperador e teve um filho, com a morte dele, ela armou um golpe contra os regentes e se tornou a líder governando o pais por décadas e o transformou num estado moderno, com a implantação de indústrias, ferrovias, eletricidade e novos armamentos.
Nas minhas andanças conheci pessoas com nomes incríveis: Macabéa, uma nordestina perdida no Rio de Janeiro, ignorante, feia, pálida, mal tinha consciência de sua existência, apaixona-se por Olímpico também nordestino, malandro, que sonha ser deputado e troca a ingênua Macabéa por sua amiga. (A hora da Estrela - Clarice Lispector).
Padura me apresentou Gerúndio, Sandálio e José José, nem todos Pessoas Descentes (Leonardo Padura), mas o Detetive Mario Conde sim, este que eu ja conhecia de outras viagens, é realmente admirável, seu amor incomensurável pela ilha e por seus amigos: uns vão e voltam, outros vão e não voltam mais, Conde se mantem firme na sua terra. E quanto ao amor? Será que vale a pena de qualquer maneira?…
E o amor que mata? Como o do pintor Juan Pablo Castel (A Trégua - Mario Benedetti) por Maria Iridane, ou Pózdnichev (Sonata a Kreuzer - Tolstoi) , ambos assassinos confessos que contam suas dúvidas e angústias até o assassinato das esposas. O mesmo acontece com Amaro (O Bom Criolo - Adolfo Caminha) que apaixona-se por Aleixo e depois de uma história de amor, não aceita a traição e o abandono, o que termina em tragédia.
Mata-se por amor e morre-se de amor como Luiza que amou o Primo Basilio (Eça de Queiroz). Ou Ana (Canção sem palavras - Sofia Tolstaia) que se apaixonou perdidamente por um músico. “De quem é a culpa? “ -pergunta Sofia Tolstaia.
Morre-se de amor também pelo preconceito, como O Mulato (Aloizio Azevedo) assassinado pela própria família com a benção da igreja, por ter se apaixonado pela pessoa errada. E que falar dos amores não resolvidos que duram por toda a vida? Raimundo e Gaudêncio, que tiveram uma história de amor interrompida quando ainda eram jovens, devido ao preconceito da época. Raimundo, homem analfabeto guardou sem ter lido uma carta do seu amor por cinquenta anos. (A palavra que resta - Stenio Gardel). No deserto do Saara um jornalista e uma moça 15 anos mais nova que ele, viajaram durante 40 dias, com o objetivo de uma reportagem para uma revista. Vinte anos depois ao saber da morte de Cláudia ele relembra aquela amor não revelado gerado pelo silêncio, pela solidão, pela cumplicidade dos dois naquela viagem. (No teu deserto - Miguel Souza Tavares).
Marco e Luiza, ambos casados, que se amam e se encontram com frequência, passam dias juntos, dormem juntos, mas não transam, e ficam com suas consciências tranquilas pois não estão traindo os cônjuges… se Jabor e Rita Lee têm razão, amor sem sexo é amizade!… será? (O Colibri - Sandro Veronesi)
E sexo sem amor?… A baiana sexagenária da Casa dos Budas Ditosos conta sua vida de luxúria, mulher libertina que vive todo tipo de relação sexual inclusive incestuosa. Creio que uma mulher dessas só existe na cabeça de um homem, no caso João Ubaldo seu criador.
Conheci gente má também, o oficial da SS Max Aue, idoso morando numa cidade na França, ele relembra e conta suas perversidades na Segunda Guerra, um relato de crueldade e delírios. Como a visão é do carrasco, as vezes ele nos seduz com suas justificativas: “Se a Alemanha houvesse esmagado a União Soviética não existiria essa balela de crimes de guerra, ou teria sobre os crimes dos bolcheviques”. (As benevolentes - Jonathan Littell).
George, o terrorista que em Moscou tem a missão de matar o governador. Ele mesmo não compreende o sentido de tudo, não defende um ideal, nem mesmo tem um ideal. O Cavalo Pálido (Boris Savinkov) age por instinto e treinamento, não questiona, apenas acredita que deve ser feito independente das consequências.
E que falar da médica Wan Coração uma obstetra, comunista fervorosa, que chega aos extremos para defender a política do filho único na China. (As Rãs - Mo Yan).
A guerra deixa sequelas como fez com Billy Pillgrim que viu Dresden ser destruída e depois jurava ter estado num planeta chamado Tralfamadore. (Matadouro 5 - Kurt Vannegut).
Da ficção para a realidade, Stephan Zweig, austríaco de família judia, que cresceu numa Viena, capital das artes, mas com a Primeira Guerra Mundial e os horrores do pós-guerra viu a Áustria e a Alemanha destruídas. Ele, sempre neutro, se empenhou numa luta pessoal pela paz, perdendo amigos por questões políticas, e quando tudo parecia que ia melhorar veio a Segunda Guerra, perdeu a esperança e se suicidou no Brasil, para onde se mudara, fugindo da guerra. (Autobiografia - o mundo de ontem - Stephan Zweig)
Na violência do cotidiano Salmon Rudshie (Faca) quase morreu atacado a facadas por um fanático religioso, em pleno século XXI, um espanto!
Conheci pessoas que passaram fome como Leo Auberg (Tudo que eu tenho levo comigo - Herta Muller) e o escritor que vaga pelas ruas com um toco de lápis, com o qual escreve crônicas para os jornais, dependendo disso para não morrer (Fome - Knut Hansun). E a experiência real de George Orwell, aquele de 1984, que passou fome em Paris e Londres. (Na pior entre Paris e Londres).
E agora vamos falar de amizades ou de amores puros, sem outros interesses a não ser fazer o outro feliz, como a neta que transformou uma vila numa imitação de Jerusalem para realizar o sonho da avó, e esta fingiu acreditar para deixar a neta feliz. (Jesus Cristo bebia cerveja - Afonso Cruz).
Jenny que procurou o grande amor de juventude de sua avó, interrompido pela guerra, e promoveu o último encontro dos dois no final da vida de ambos. (A caderneta de endereços vermelha - Sofia Lundberg).
Impressionante o amor aos livros, a uma história, a um escritor. O jovem escritor senegalês Diégane encontra um livro de um autor desaparecido após uma acusação de plágio e passa a seguir todas as pistas para descobrir a verdade.(A mais recôndita memória dos homens - Mohamed Mbougar Sarr).
Ou um leitor que corre desesperadamente para encontrar a continuação de vários livros. (Se um viajante numa noite de inverno - Italo Calvino).
Narciso é inteligente, racional e contido. Goldmund é um jovem estudante com profundas inquietações existenciais. Narciso torna-se monge com vida simples. Goldmund sai pelo mundo com vida boêmia de artista. A amizade e admiração mútua permanecem apesar das diferenças, da distância e do tempo. (Narciso & Goldmund - Herman Hesse).
O admirável Zorbás, o grego, um homem simples, primitivo, mas com uma consciência além da moral típica dos homens civilizados, quando não consegue se expressar verbalmente, ele dança e encanta. Contratado por um homem das letras que resolve fazer uma experiência de vida diferente com a exploração de uma mina de linhito, surge uma amizade para o resto de suas vidas. (Vida e proezas de Alexis Zorbás - Nikos Kazantzákis).
E tantos outros tipos inesquecíveis: Etzel Andergast (Jakob Wassermann) com suas angústias, o Dr Frankestein (Mary Shelley) e a eterna pretensão do homem de ser Deus, o insondável Bartleby, o escrivão (Herman Melville) que se recusa a atender as ordens do patrão, e os Meninos da Rua Paulo (Ferenc Molnár). Andei pelas ruas de Londres com Mrs Dalloway (Virginia Woolf), e de Buenos Aires com Hugo (O Amor segundo Buenos Aires - Fernando Sheller).
Finalizei o ano com as proezas de Ana Magdalena, uma senhora casada que todo ano viajava sozinha para uma ilha para visitar o túmulo de sua mãe, de viagem em viagem passou a infringir as regras do contrato chamado casamento. (Em Agosto nos Vemos - Gabriel Garcia Marques).
E assim termino a jornada de 2024 com uma citação de Charles Lamb, em 1833: confessou que ele amava “perder-se na mente de outros homens. Quando não estou andando, estou lendo, não posso sentar e pensar. Os livros pensam para mim”. (Uma história da leitura - Alberto Manguel).
Felizes viagens em 2025 para todos nós!
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