terça-feira, dezembro 26, 2023

Livros 2023

 
Capitulo I

2023 foi para mim um ano de grandes viagens pelos lugares mais inusitados do mundo, em diversas épocas.
Comecei o ano entrando num portal com o mestre do suspense Stephen King, e chegamos a Dallas nos anos 1960. A ideia era impedir o assassinato do Presidente Kennedy em “Novembro 63”, não deu certo, descobrimos que o passado não quer ser mudado.
No Japão em um Café, nova possibilidade de voltar ao passado, pelo menos para se redimir. Que seja bem rápido “Antes que o Café Esfrie” (Toshikazu Kawaguchi),
Na China com Sonia Bridi (Laowai), quanto aprendi sobre os chineses, eles não gostam de filas, fazem aglomeração e salvem-se quem puder, isso porque em épocas de fome os “educadinhos” ficavam sem comer. A milenar medicina chinesa ensina que não se deve prender nada ruim, então sem constrangimento os chineses arrotam, escarram e soltam pums naturalmente. Os sanitários públicos femininos não têm boxes separados, todas fazem suas necessidades juntas. E sobre o governo é preciso paciência, não se enfrenta o poder porque só se tem a perder. O poder pode tudo. O governo de Pequim dá autoridade absoluta aos líderes locais e recebem fidelidade em troca. A internet tem censura. As reportagens precisam ser autorizadas. Na China eles copiam tudo, das marcas estrangeiras mais famosas à educação. Espelharam-se no sistema de educação da Coreia do Sul, fazem grandes investimentos, contratam professores estrangeiros para suprir vagas, mandam estudantes para se especializarem no exterior. Já estão colhendo bons resultados.
“Dentro do Segredo” que é a Coreia do Norte, viajei com o português José Luís Peixoto. Nos assombramos com o sistema de governo ditatorial, absolutista e autocrata. Sem internet, sem celular, visitas só acompanhadas por um guia local. A música disponível resume-se ao folclore local, temas de glória ao regime e óperas revolucionárias. Os celulares dos visitantes ficaram retidos, somente as câmaras fotográficas foram permitidas contudo era necessário autorização do Guia para fotografar, mesmo assim todas as fotos foram revistadas na saída. Há fotografias dos 3 últimos lideres: Kim Il-sung, Kim Jong-il ou o atual Kim Jong-un espalhadas pelo país, não apenas em lugares públicos, até mesmo em casas de pessoas comuns. Os norte-coreanos parecem realmente endeusar os líderes, a propaganda governista é muito forte e eles não têm acesso a outras alternativas. No final impossível não comparar com a China que me pareceu uma democracia!
Viajei pelo realismo mágico de Salman Rushie, conheci os “Filhos da Meia Noite” e muitas nuances sobre a vida na India. “Por Amor a India” com a francesa Catherine Clément vivemos a transição do colonialismo inglês para a independência e separação da India e Paquistão. Muito fiquei sabendo sobre Gandhi e do amor platônico do primeiro Primeiro Ministro da India com a última Vice-Rainha inglesa (provavelmente fake!.. ops… ficção). Conheci Goa, com o angolano José Eduardo Agualusa, um estado da India, que pertenceu a Portugal por vários séculos e hoje só poucas pessoas ainda falam português.
Fiz uma grande viagem pela Europa do século XIX, com Orlando Figes. “Os Europeus” ja falavam em globalização quando surgiram as ferrovias, tudo ficou mais perto e mais fácil. A nobreza e o clero não gostaram da ideia da plebe viajar do mesmo modo que eles. Surgiu a ideia de criar os Estados Unidos da Europa, o problema seria escolha da capital. O escritor Victor Hugo era a favor, contanto que a capital fosse Paris.
O russo Ivan Turguêniev viveu muito mais na Alemanha, França e Inglaterra que na Rússia, era apaixonado por uma cantora de ópera, a mais famosa do século XIX, Pauline Viardot. Ivan, Pauline e seu marido Luis Viardot viveram uma espécie de poliamor. Infelizmente não temos o privilégio de ouvir a voz da mezzo-soprano. A voz humana só passou a ser gravada no século XX.
Ainda na Europa conheci “Os Buddenbrooks” na Alemanha em companhia de Thomas Mann e “Os Maias” em Portugal com Eça de Queiroz com quem fiz as pazes após longos anos. Para complementar este tour no século XIX cheguei ao Rio de Janeiro imperial e conheci “O Ateneu” (Raul Pompeia).
Fiquei chocada com os horrores das guerras apesar de não haver “Nada de novo no Front” (Erich Maria Remarque); com o campo de concentração “Treblinka” (Jean François Steiner) e com a vida antes, durante e depois da bomba em “Hiroshima” (John Hersey). Perplexa fiquei com o movimento separatista do ETA que o espanhol Fernando Aramburu me mostrou na sua “Pátria”.
No “Ano da Lebre” passei na Islândia com Arto Paasilinna, conheci “O Musico Cego” com Vladimir Korolenko , na Ucrânia. Ainda em boa companhia abri “A Porta” com a húngara Magda Szabo, e fui a “Um Jantar Errado” na Albania com Ismael Kadaré. Em Lisboa, acompanhada pelo ilustre Saramago, vi um edifício que tinha uma “Claraboia”. Na Coreia do Sul, Min Jin Lee me apresentou um jogo chamado “Pachinko” e vi o preconceito que os japoneses têm em relação aos coreanos.
E por que não conhecer um pouco da Africa? La fui eu com a nigeriana Ayòbámi Adebáyò (Fique comigo) e com Abdulaziz Gurnah (Sobrevidas) da Tanzânia. Amei conhecer um pouco da cultura de Moçambique em relação as mulheres, que Pauline Chiziane (Niketche) me ensinou.
Com o suíço Pascal Mercier peguei “Um Trem Noturno para Lisboa”. Alfred Doblin me levou a flanar pelas ruas de Berlim até Alexanderplatz. E Jakob Wassermann também na Alemanha tentou me transmitir conceitos de justiça e vingança com “O Processo Maurizius”.
E foram “Quatro Estações em Roma” com o americano Anthony Doerr. Experimentei a culinária italiana com o também americano Stanley Tucci (Sabor - minha vida através da comida). Encontrei outros americanos nessas andanças: Toni Morrison (Sula), Andrew Salomon (O demônio do meio dia) e John Steinbeck (A um Deus desconhecido). Em seguida cheguei a Cuba onde há “Água por todos os Lados” como diz Leonardo Padura, de quem sou fã. Regressei para São Paulo e Rafael Gallo me surpreendeu com sua “Dor Fantasma”.
Não costumo passar um ano sem visitar os russos, mesmo rapidamente como foi em 2023, fiquei fascinada com Dostoiévski fantástico e satírico (Bobók) e Tolstoi me fez refletir sobre “Quanta Terra Precisa um Homem?”…
Finalmente me metamorfosiei com Kafka, pois como diria Raul melhor ser uma metamorfose que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. E chegou dezembro… parei para refletir sobre “O Sentido da Vida “ (Contardo Calligaris) e da morte “De frente para o Sol” (IrvinYalon).
Que 2024 seja repleto de viagens, em todos os sentidos, para todos nós.


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Capítulo II - 2024 As melhores viagens que fiz, não saí do lugar


Em 2024 conheci muitas pessoas interessantes… Ops… pessoas ou personagens?… Pessoas, claro!… Alguém duvida que Dom Quixote existiu? E Raskólnikov? E Capitu? E um certo Capitão Rodrigo?… enfim, saiu da cabeça do escritor, publicou, existiu!… 

E por falar nisso comecei o ano com o nosso Dom Quixote: Policarpo Quaresma (Lima Barreto) que também enfrentou moinhos de vento para provar que sua terra, o Brasil, é a mais fértil, mais rica, tem as mulheres mais belas, a melhor comida, os melhores governantes.. rs.. -enfim, o melhor lugar do mundo é aqui.


Na China conheci A Imperatriz de Ferro (Jung Chang), Cixi (1835-1908), a mulher mais importante da história chinesa, foi concubina do imperador e teve um filho, com a morte dele, ela armou um golpe contra os regentes e se tornou a líder governando o pais por décadas e o transformou num estado moderno, com a implantação de indústrias, ferrovias, eletricidade e novos armamentos. 


Nas minhas andanças conheci pessoas com nomes incríveis: Macabéa, uma nordestina perdida no Rio de Janeiro, ignorante, feia, pálida, mal tinha consciência de sua existência, apaixona-se por Olímpico também nordestino, malandro, que sonha ser deputado e troca a ingênua Macabéa por sua amiga. (A hora da Estrela - Clarice Lispector). 


Padura me apresentou Gerúndio, Sandálio e José José, nem todos Pessoas Descentes (Leonardo Padura), mas o Detetive Mario Conde sim, este que eu ja conhecia de outras viagens, é realmente admirável, seu amor incomensurável pela ilha e por seus amigos: uns vão e voltam, outros vão e não voltam mais, Conde se mantem firme na sua terra. E quanto ao amor? Será que vale a pena de qualquer maneira?… 


E o amor que mata? Como o do pintor Juan Pablo Castel (A Trégua - Mario Benedetti) por Maria Iridane, ou Pózdnichev (Sonata a Kreuzer - Tolstoi) , ambos assassinos confessos que contam suas dúvidas e angústias até o assassinato das esposas. O mesmo acontece com Amaro (O Bom Criolo - Adolfo Caminha) que apaixona-se por Aleixo e depois de uma história de amor, não aceita a traição e o abandono, o que termina em tragédia. 

Mata-se por amor e morre-se de amor como Luiza que amou o Primo Basilio (Eça de Queiroz). Ou Ana (Canção sem palavras - Sofia Tolstaia) que se apaixonou perdidamente por um músico. “De quem é a culpa? “ -pergunta Sofia Tolstaia. 

Morre-se de amor também pelo preconceito, como O Mulato  (Aloizio Azevedo) assassinado pela própria família com a benção da igreja, por ter se apaixonado pela pessoa errada. E que falar dos amores não resolvidos que duram por toda a vida? Raimundo e Gaudêncio, que tiveram uma história de amor interrompida quando ainda eram jovens, devido ao preconceito da época. Raimundo, homem analfabeto guardou sem ter lido uma carta do seu amor por cinquenta anos. (A palavra que resta - Stenio Gardel). No deserto do Saara um jornalista e uma moça 15 anos mais nova que ele, viajaram durante 40 dias, com o objetivo de uma reportagem para uma revista. Vinte anos depois ao saber da morte de Cláudia ele relembra aquela amor não revelado gerado pelo silêncio, pela solidão, pela cumplicidade dos dois naquela viagem. (No teu deserto -  Miguel Souza Tavares). 

Marco e Luiza, ambos casados, que se amam e se encontram com frequência, passam dias juntos, dormem juntos, mas não transam, e ficam com suas consciências tranquilas pois não estão traindo os cônjuges… se Jabor e Rita Lee têm razão, amor sem sexo é amizade!… será? (O Colibri - Sandro Veronesi)


E sexo sem amor?… A baiana sexagenária da Casa dos Budas Ditosos conta sua vida de luxúria, mulher libertina que vive todo tipo de relação sexual inclusive incestuosa. Creio que uma mulher dessas só existe na cabeça de um homem, no caso João Ubaldo seu criador. 


Conheci gente má também, o oficial da SS Max Aue, idoso morando numa cidade na França, ele relembra e conta suas perversidades na Segunda Guerra, um relato de crueldade e delírios. Como a visão é do carrasco, as vezes ele nos seduz com suas justificativas: “Se a Alemanha houvesse esmagado a União Soviética não existiria essa balela de crimes de guerra, ou teria sobre os crimes dos bolcheviques”. (As benevolentes - Jonathan Littell). 

George, o terrorista que em Moscou tem a missão de matar o governador. Ele mesmo não compreende o sentido de tudo, não defende um ideal, nem mesmo tem um ideal. O Cavalo Pálido (Boris Savinkov) age por instinto e treinamento, não questiona, apenas acredita que deve ser feito independente das consequências. 

E que falar da médica Wan Coração uma obstetra, comunista fervorosa, que chega aos extremos para defender a política do filho único na China. (As Rãs - Mo Yan).

A guerra deixa sequelas como fez com Billy Pillgrim que viu Dresden ser destruída e depois jurava ter estado num planeta chamado Tralfamadore. (Matadouro 5 - Kurt Vannegut). 


Da ficção para a realidade, Stephan Zweig, austríaco de família judia, que cresceu numa Viena, capital das artes, mas com a Primeira Guerra Mundial e os horrores do pós-guerra viu a Áustria e a Alemanha destruídas. Ele, sempre neutro, se empenhou numa luta pessoal pela paz, perdendo amigos por questões políticas, e quando tudo parecia que ia melhorar veio a Segunda Guerra, perdeu a esperança e se suicidou no Brasil, para onde se mudara, fugindo da guerra. (Autobiografia - o mundo de ontem - Stephan Zweig)

Na violência do cotidiano Salmon Rudshie (Faca) quase morreu atacado a facadas por um fanático religioso, em pleno século XXI, um espanto! 

Conheci pessoas que passaram fome como Leo Auberg (Tudo que eu tenho levo comigo - Herta Muller) e o escritor  que vaga pelas ruas com um toco de lápis, com o qual escreve crônicas para os jornais, dependendo disso para não morrer (Fome - Knut Hansun). E a experiência real de George Orwell, aquele de 1984, que passou fome em Paris e Londres.  (Na pior entre Paris e Londres).

E agora vamos falar de amizades ou de amores puros, sem outros interesses a não ser fazer o outro feliz, como a neta que transformou uma vila numa imitação de Jerusalem para realizar o sonho da avó, e esta fingiu acreditar para deixar a neta feliz. (Jesus Cristo bebia cerveja - Afonso Cruz). 

Jenny que procurou o grande amor de juventude de sua avó, interrompido pela guerra, e promoveu o último encontro dos dois no final da vida de ambos. (A caderneta de endereços vermelha - Sofia Lundberg). 

Impressionante o amor aos livros, a uma história, a um escritor. O jovem escritor senegalês Diégane encontra um livro de um autor desaparecido após uma acusação de plágio e passa a seguir todas as pistas para descobrir a verdade.(A mais recôndita memória dos homens - Mohamed Mbougar Sarr). 

Ou um leitor que corre desesperadamente para encontrar a continuação de vários livros. (Se um viajante numa noite de inverno - Italo Calvino). 

Narciso é inteligente, racional e contido. Goldmund é um jovem estudante com profundas inquietações existenciais. Narciso torna-se monge com vida simples. Goldmund sai pelo mundo com vida boêmia de artista. A amizade e admiração mútua permanecem apesar das diferenças, da distância e do tempo. (Narciso & Goldmund - Herman Hesse). 

O admirável Zorbás, o grego, um homem simples, primitivo, mas com uma consciência além da moral típica dos homens civilizados, quando não consegue se expressar verbalmente, ele dança e encanta. Contratado por um homem das letras que resolve fazer uma experiência de vida diferente com a exploração de uma mina de linhito, surge uma amizade para o resto de suas vidas. (Vida e proezas de Alexis Zorbás - Nikos Kazantzákis).


E tantos outros tipos inesquecíveis: Etzel Andergast (Jakob Wassermann) com suas angústias, o Dr Frankestein (Mary Shelley) e a eterna pretensão do homem de ser Deus, o insondável Bartleby, o escrivão (Herman Melville) que se recusa a atender as ordens do patrão, e os Meninos da Rua Paulo (Ferenc Molnár). Andei pelas ruas de Londres com Mrs Dalloway (Virginia Woolf), e de Buenos Aires com Hugo (O Amor segundo Buenos Aires - Fernando Sheller). 


Finalizei o ano com as proezas de Ana Magdalena, uma senhora casada que todo ano viajava sozinha para uma ilha para visitar o túmulo de sua mãe, de viagem em viagem passou a infringir as regras do contrato chamado casamento. (Em Agosto nos Vemos - Gabriel Garcia Marques). 


E assim termino a jornada de 2024 com uma citação de Charles Lamb, em 1833: confessou que ele amava “perder-se na mente de outros homens. Quando não estou andando, estou lendo, não posso sentar e pensar. Os livros pensam para mim”. (Uma história da leitura - Alberto Manguel). 


Felizes viagens em 2025 para todos nós!

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