sexta-feira, outubro 01, 2021

Sobre René

(Lembranças não confiáveis que me vêm a memória...)

Quando eu  era criança, minha tia Carmélia e sua família moravam na mesma Praça Santo Antônio onde morávamos, em Vitória da Conquista. Sua casa era surpreendente, diferente das outras do local porque era muito colorida, cada aposento tinha mais de uma cor.  Lembro que o quarto dos meninos Raminho e Rene era verde e azul (ou talvez verde e lilás) e tinham flâmulas de times de futebol que decoravam as paredes. René com certeza era torcedor do Fluminense e Raminho,  se não estou enganada, era vascaíno. Lembro que o quarto de Eleusa era rosa, talvez rosa e azul. Dessa época as recordações mais fortes são de tio Arnóbio e seus famigerados cascudos, era sua forma de demonstrar carinho, nada agradável. Saíamos correndo quando o víamos.

René era 9 anos mais velho que eu portanto não me lembro dele criança, mas cresci ouvindo minha mãe e minha avó contando as peripécias de René menino, diziam que ele era genioso, que dava pití quando queria uma coisa, que deu muito trabalho. Não gostava de estudar, o que levou  tia Carmélia a entrar no ginásio para ser sua colega e controlar a situação.

Eu ainda era bem menina quando eles mudaram para Salvador.  O tempo foi passando e o cenário mudou, René resolveu fazer vestibular para medicina, todos riram... Impossível, achavam. Até meu pai, cidadão pacato e tímido, disse que vestiria uma saia se ele passasse. E não é que o cara passou, de primeira vez, na Universidade Federal da Bahia?!!!

Nesse interim tia Carmélia e tio Arnóbio se separaram e os três filhos passaram a morar num apartamento nos Barris. Logo em seguida minha irmã Iris se juntou a eles para tentar a Faculdade, e 1968 eu fui a última a chegar também com o mesmo objetivo.

 Os quatro já eram universitários quando cheguei. René, se foi o menino rebelde, virou o jovem mais sério e responsável da família. Deu duro como estudante, muitas vezes ia e voltava da Faculdade a pé, porque não tinha dinheiro para o transporte. Nunca fez farra, não bebia e não fumava.  Ríamos quando ele e nosso primo Eliezer, também estudante de medicina, saíam para curtir a noite e voltavam em meia-hora.

Era René quem tomava conta da casa e da gente. Era o mais organizado. Na sua mesinha de cabeceira havia tesourinha, agulha, linha e outros aviamentos. Se precisávamos de algo tomávamos emprestado silenciosamente e depois colocávamos tudo no mesmo local. Qualquer deslize, era uma bronca...

René e Raminho eram torcedores do Bahia enquanto eu, Eleusa e Iris torcíamos para o Vitória só para perturbar. Raminho era o torcedor apaixonado, René era o racional, analisava e reconhecia quando o time não ia bem. Dessa forma Raminho se irritava com a nossa gozação e René não dava a mínima importância

Tudo que acontecia com a gente ele reportava para minha mãe, tia Carmélia e tia Amelinha, todas fãs incondicionais dele. Ele sempre preocupado com a irmã e as primas, lembro-me uma vez, em julho de 1969, ficou na memória pelo evento da chegada do homem à Lua.   Os primos Célia e Lula que moravam em São Paulo vieram com alguns colegas passar férias em Salvador, e nesse dia saímos andando pela cidade a noite (tempos bons quando isso era possível), paramos na Sorveteria Primavera. Depois de várias degustações alguém resolveu tomar mais um sorvete que se chamava Beijo Frio, e ofereceu aos demais. Célia respondeu: Não quero, se pelo menos fosse um beijo quente...  E claro que tomou um corretivo de René.

 E assim era René... quando eventualmente ele viajava, na volta observava tudo na casa e percebia qualquer diferença, como por exemplo a borda da manteigueira quebrada, e então ouvíamos as reclamações pela nossa falta de cuidados.  Quando ele dava plantão sábado à noite a gente aproveitava para sair e chegar qualquer hora sem precisar dar explicações.

Rene se formou foi para São Paulo e depois se estabilizou em Conquista, onde conheceu Marilanda e mais tarde se casaram. O casamento foi uma surpresa e só mesmo os íntimos que moravam em Salvador participaram. Tia Amelinha nunca perdoou isso.

Daí em diante só nos víamos eventualmente, em ocasiões especiais, mas ele continuou o mesmo: simples, generoso e sério. Foi um médico conceituado, só ouvia as melhores referências sobre ele. 

Sabe aquela pessoa que todo mundo só falava bem? Era ele. Ele era o cara! Vai fazer falta!

Isabel - Maio,2021.


3 comentários:

Anônimo disse...

Bel, vc está de parabéns. Que memória hein? Coisas que vc escreveu que já tinham sido deletado da minha mente e vc trouxe à tona e revivi tudo como se fosse hoje.
Meu irmão está me fazendo muita falta.
Mas, é o fim de todos nós.

Luladasequacao disse...

Grande artigo Bel. Faz muito tempo que não escrevo na Caravana mas tenho que falar sobre Rene pois eu so tenho coisa boa. Na parte de historia antiga me lembro de um aniversario de menino onde Rene chegou todo pomposo para cantar uma musica: "sonhei com imagem nua, baixei as calcas e cagei na rua ..etc..etc." . Foi uma crise nacional, minha mãe estava fora na hora eu fui contar "Rene cantou uma musica joia..." levei um grande esporro.

Também quando Rene morava em Conquista eu ia de ferias a gente saia muito junto. O programa era besta, dando volta de carro e falando valentia... Mais tarde Rene foi um grande amigo meu. Ele me ajudou muito com a herança que recebi, e sempre nos divertimos quando ia a Conquista.Eu passei anos tentando convencer ele a me visitar aqui, mas acabamos desistindo pois 6 da tarde tinha que botar a pijama, não dava para viajar. Ele ia para a reunião espirita a noite com o pijama embaixo da roupa.

Celia disse...

Isabel, você lembrou do episódio do beijo frio! A memória está ótima

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