sexta-feira, maio 05, 2017

Aventura em São Paulo

A pedido de Ferro, o grande Industrial.

O ano, 1965.

Perdido de tanto amar, resolvi, passar um mês em São Paulo e Rio de Janeiro (aqui, é outra história). Afinal, meus inesquecíveis tios Dora e Onésimo, e a prima Nete, que ainda morava com os “velhos”, me fizeram o convite.

Depois de trinta horas de viagem em estrada de cascalho, desci de um ônibus numa rodoviária que não recordo o nome, provavelmente a Estação da Luz, às quinze horas. Fui caminhando, (isto mesmo, caminhando!) com uma maleta surrada (ainda não havia roldanas nas malas) - sempre gostei de caminhar apesar de nunca ter sido um Forrest Gump - para a Rua Monsenhor Passalaqua, esquina com a Rua Brigadeiro Luís Antônio. Quase duas horas de caminhada. Enquanto isso, admirava os belos edifícios do trajeto.

Que tempos, heim? Caminhar por São Paulo, imaginem!

Por volta das 17 horas, cheguei ao destino. E após os cumprimentos de praxe, imediatamente queria sair para conhecer a metrópole. Pedi, então, à minha inesquecível prima Nete um pequeno roteiro que pudesse ir e voltar. Ainda não tinha o Google Earth, né!

E lá fui eu!

Na frente do Mappin, encontrei duas garotas e comecei, como um bom baiano, a puxar conversa. Na frase seguinte, chamaram os “guardas”. Sem entender o que se passava, dei a volta no quarteirão e, como não vi nenhum guarda, disse a elas:

“as paulistas gostam de homem ou de mulher?”.

Novamente, chamaram o guarda e, aí, me mandei, fui parar na Praça da República.

Por volta das 18 horas, cheguei à Praça e, logo-logo, fui abordado por um “cara” estranho – o politicamente correto me impede de dizer o que parecia ser –. Imediatamente, fui eu que chamei o guarda.

Seu guarda!!!!!!!

Fazia parte dos meus planos em São Paulo, comprar um equipamento fotográfico de primeira qualidade. Pensei na Yashica Mat, realmente a melhor daquela época.

Dia seguinte, numa loja na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, vi numa vitrine vários equipamentos maravilhosos. Anotei os preços e, encostado a uma grande pilastra de um cinema da vizinhança, fazia contas, mentalmente, para ver se o dinheiro dava para comprar a máquina dos sonhos e curtir o restante das férias. Levei um bom dinheiro, evidentemente, todo o adiantamento das férias.

Enquanto pensava, um sujeito fardado de azul bateu no meu ombro. Olhei para trás, e, depois, para o alto, pois o cara tinha algo como dois metros de altura. Até parecia Alváro.

Por quatro ou cinco vezes, o guarda perguntou: “documentos?”. Não entendia nada do que pedia! Para mim, falava russo. Depois de vários questionamentos, tirei uma carteira de identidade, cujo plástico estava quebrado, e dei a ele. Colocou no bolso do “sobretudo” e ordenou que caminhasse na frente até a sala que, parecia, do gerente do cinema. Comigo iam mais cinco sujeitos.

O “gerente” perguntou: malandros?

O guarda respondeu: Desocupados, estão na porta do cinema quando deveriam estar trabalhando.

(Para quem não viveu aqueles tempos, veja: “desocupados, estão na porta do cinema quando deveriam estar trabalhando”. Época em que havia trabalho para todos, a gente procurava um cara para trabalhar e não encontrava, tinha que dar treinamento, treinamento, treinamento”. Viva os tempos áureos!) O PIB crescia a 9, 10, 12 e até a 14%. Era outro Brasil!

Voltando.

Sentamos, todos os desocupados, num banco grande no fundo do gabinete do gerente, gordo, mas vestia um belo terno cinza, dando a impressão de ser um grande empresário. E enquanto o policial fazia, ou “fingia” fazer ligações para algum quartel, os “convivas” iam se levantando e justificando o porque estavam ali. Um dizia, estou procurando emprego, veja o documento. O outro estava de passagem quando fui abordado, etc. e tal.

Sem dever nada a ninguém, acendi o meu “saudoso” cigarro Carlton. E como só tinha eu, e ele continuava a dedilhar o tal telefone preto, pensei:

Vou me defender também.

O puto do policial disse: “que folga, apague esse cigarro!”. Apaguei, claro!

Continuava a perguntar:

O que você fazia na porta do cinema a essa hora?

Respondia a mesma ladainha:

“Eu sou de Salvador, da Bahia, trabalho no Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, estou de férias aqui em São Paulo!”

Ele perguntava novamente: O que você fazia na porta do cinema?

Foram, aproximadamente, seis vezes a mesma pergunta e, consequentemente, a mesma resposta. Pensei em correr, fugir, mas, me lembrei de que a carteira de identidade estava com ele.

Já exausto e pensando que tinha entrado numa fria, perdi a paciência e gritei, literalmente, a ponto do gerente do cinema intervir e me chamar a atenção por estar gritando.

“Senhor, não sou malandro, sou cidadão trabalhador. Já lhe disse a mesma coisa dez vezes e o senhor não quer, ou não quis ouvir”. Enfatizei: Sou empregado do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, em Salvador, estou de férias em São Paulo”.

Nesse ínterim, tirei a carteira do bolso – que, por sinal, estava recheada de grana (imaginem se fosse nos dias atuais), pois ia comprar a tal da máquina – e tirei o “aviso de férias” do Banco, e, abaixo, a carteira de estudante de Economia. Ao ver aquilo, já com outra abordagem, com outro tom de voz, pediu para ver.

Ao examinar, devolveu os documentos, caminhou comigo até a saída, pediu inúmeras desculpas e me alertou: “Se algum policial solicitar sua identidade apresente-a logo com o aviso de férias e a carteira estudantil”.

Finalizou pedindo mais desculpas, e dizendo que, ali, ficavam muitos terroristas buscando momentos adequados para atacar.

Era maio de 1965!

Ainda bem que não era 2017, senão, teriam me roubado tudo!

(Hamilton Ipê, enviado por e-mail)


5 comentários:

Igor Matos disse...

Tio, você precisa escrever mais no blog. Suas histórias são sempre ótimas.

Abs,

Igor

Bel B disse...

Em 1964 (talvez), fomos passear em São Paulo, eu, Iris e Célia (com Noemi) e também nos hospedamos na casa de tia Dora na Rua Monsenhor Passalacqua... Como o apartamento era muito pequeno e morávamos em Conquista, em casas com muito espaço, ficávamos agoniadas e costumávamos ficar na entrada do prédio, jogando conversa fora, não tinha play-ground. Todo dia tinha uma reclamação do zelador... Fazíamos "passeios de ônibus".. (rs..), íamos para Brigadeiro Luíz Antônio, pegávamos um ônibus circular, e depois saltávamos no mesmo lugar... Na época eu e Célia tínhamos mais ou menos 12 anos e Iris 15 anos. E fazíamos esses passeios sós. Quem nessa idade tem essa liberdade hoje?

Sem querer ser saudosista... Bons tempos!.. Bom Brasil!...

Unknown disse...

Belas histórias!os jovens eram alegres e felizes!

Álvaro disse...

Afinal, comprou ou não a máquina fotográfica?

Fernando disse...

Alvaro,depois eu conto a história.

Minho

Você estar se revelando,terminando esta etapa,vamos escrever um livro.

Falta completar a história,vamos cobrar de Roblis e Arlia.

Roblis........meu casamento visto por tia Amelinha.

Arlia.........meu tormento na Igreja Sião

Assunto para dois livros.

Parabéns Hamilton você é o cara.

Fernando

Casamento de Amelinha e Arlindo - 1947

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