quarta-feira, março 08, 2017

Dia Internacional da Mulher - 8 de março

Noemi

Plagiando Célia que disse não ser  fácil ser filha de Amélia, digo o mesmo,  não foi fácil ser filha de Noemi , principalmente na infância e adolescência. Minha mãe era uma pessoa muito objetiva, prática, racional, realista, falava demais, exagerava, não guardava segredos, além de ser Martins sinônimo de super-econômica.

Do seu raciocínio lógico, vindo provavelmente da profissão, professora de matemática, não cabia o fútil, tudo tinha que ser útil, tinha que ter função. Esperava de crianças e adolescentes comportamento de adulto. Aí o bicho pegava... Lembro-me que certa vez o meu avô Manuel Martins apareceu em Conquista e deu uns trocados para mim e para Iris. Fizemos uma farra, de pipoca a algodão doce, num domingo no parque. Quando ela perguntou pelo dinheiro que já havíamos gastado, foi uma bronca e tanto. Deveríamos ter dado o dinheiro para que ela comprasse algo que tivéssemos precisando. Como uma criança poderia entender isso?

Na minha adolescência nos anos 1960, fã dos Beatles e Jovem Guarda,  não me atrevia a pedir dinheiro para discos. Se assim o fizesse ouvia uma ladainha das dificuldades financeiras da família... E quando eu ou Iris queríamos comprar qualquer coisa ela dizia: essas meninas precisam casar com deputado!...  No entanto se falássemos em fazer algum curso, aparecia o dinheiro, sempre com ressalva, que era um sacrifício, portanto não podíamos desperdiçar.
Casamento foi algo que ela nunca nos incentivou, ao contrário, a orientação era estudar e ser independente, como ela sempre foi.  Graças a ela, os quatro filhos fizeram faculdade e concluíram os cursos. Até Florival reconhece, me disse que ele não conseguiu fazer com que seus dois outros filhos se formassem.

Durante muito tempo critiquei muito as atitudes de minha mãe. Por exemplo, as empregadas domésticas tinham que abrir uma Poupança em que ela depositava uma parte do salário para que elas aprendessem a economizar, e não podiam sacar, só escondido, claro. Reclamava com qualquer pessoa que gastasse dinheiro com o que ela achasse que era futilidade. Presente, só coisa útil, algo que a pessoa estivesse precisando.  Sempre incentivou a todos a estudar.  As pessoas que passaram por nossa casa em geral saíram mais independentes e com mais conhecimento. Até matemática ela ensinava. Se não aprendiam outras coisas pelo menos saíam sabendo fazer “as quatro operações aritméticas”, como ela dizia. Depois de adulta compreendi, que desse jeito ela ajudou muita gente.

Nas minhas reflexões sobre minha mãe o que mais a admiro era sua fé inabalável. Nunca foi religiosa demais, apesar de ser batista e pagar o dízimo regularmente. Exigiu de mim enquanto vivia em Conquista, ir a igreja todos os domingos, era o “passe” para ir o cinema, mas pelo menos bastava assistir a Escola Dominical. Para quem não conhece o Culto da Igreja Batista é dividido em duas partes, a primeira é a Escola Dominical que é por faixa etária, depois o Sermão do pastor quando todos se reúnem no salão principal. Eu não reclamava, ouvia as histórias da Biblia, como se fosse uma história da Carochinha.  

Ela raramente ia à igreja, sempre tinha uma desculpa de afazeres domésticos. Como disse, nenhum fanatismo,  no entanto era incrível sua fé. Não tinha medo de nada, nem se impressionava com qualquer tipo de superstição, nem crenças em misticismos, cartas, cartomante, búzios, previsão de futuro ou semelhantes. Diante de uma situação dessa, sempre perguntou: Você não acredita em Deus?... Como se você crê em Deus pode acreditar que uma planta pode dar azar? ...  Como um objeto pode mudar sua vida, dá sorte ou azar?..  Como alguém pode adivinhar seu futuro?.. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”...

Nas situações difíceis que ela passou,  perda de uma filha, ou seu sofrimento físico que se arrastou por anos, da cadeira de rodas à cama, nunca ela questionou Deus... Um médico que a atendia em casa se surpreendia  pelo fato dela não ter depressão.


Eu não tenho essa fé, sou do tipo “não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”, contudo sigo o exemplo, de vez em quando pergunto para alguém: Você não acredita em Deus? Então como está se impressionando com isso?

14 comentários:

Celia disse...

Isabel, muito bom seu depoimento a respeito de tia Noemi justamente no celebrado dia internacional da mulher. Ela nunca precisou carregar a bandeira feminista para ser uma pessoa independente, segura e objetiva e, por escolha da natureza, mulher.
Sempre recordo dos comentários a respeito das garrafas de coca-cola que tia Noemi enviava para vocês quando estavam em Salvador pelos mais diversos portadores, e como isto era tratado como exemplo de uma pessoa “super-econômica”, assim como leva a fama a maioria dos Martins (assunto muito bem estimulado por meu tio Fernando até hoje). Nunca considerei este fato com o motivo da economia, mas sempre como uma forma de agrado para seus filhos de uma mãe que pouco conseguia expressar de seus sentimentos de forma convencional com beijos e abraços.
Muita gente em Conquista reconhecia que aprendeu o pouco da matemática que sabia graças à profa. Noemi. Ela tinha uma forma própria e especial para ensinar matemática a seus alunos e ensinar outras disciplinas da vida para todos que tiveram a oportunidade de conviver com ela.
Tia Noemi chegou um dia em casa e perguntou a meu pai se ele tinha conseguido resolver os problemas de matemática do vestibular que foi publicado pela primeira vez no jornal A Tarde. Nunca esqueci o brilho nos seus olhos e o ânimo que falava deste novo desafio. Assim era tia Noemi, sempre pronta a enfrentar as novidades e também as coisas da vida, sem receios.

eleusa disse...

Bel, você conseguiu descrever tia Noemi nos seus mínimos detalhes. Era tão econômica que quando fazia bolo eu ficava a espreita da vasilha para comer o bolo cru. Pois é, ela me dava depois de passar o lambe lambe e o dedo. Aí eu via que nada sobrou para eu matar minhas lombrigas. Nunca me esqueço que um dia ela me chamou e disse: entre no carro. Eu não sabia para onde estava me levando. Quando chegou perto da escola das freiras, que era um deserto, ela saiu do carro e me disse: vamos trocar de lugar. E foi assim que tive a primeira aula de direção. Acho que você não sabe disso e nem eu me lembrava mais, mas lendo o seu texto me veio essas recordações.
Tia Noemi fez a diferença em nossas vidas. Saudades.

Igor Matos disse...

Eu como neto tomei aula de matemática, sempre nas férias e como tia Eleusa só comi bolo depois do lambe lambe. Regra dos nove, raiz quadrada, regra de três simples e composta....

Igor Matos disse...

Errata: regra dos nove não, prova dos nove.

Bete disse...

Muito bom! Saudades dessas mulheres, Noemi, Amélia, Sinhazinha ( minha mãe Augusta), que sempre nos empurravam pra sermos independentes. Adorava matemática e Noemi me ajudou muito para passar no teste do Colégio de Aplicação. De vez em quando, ela tinha que me mandar pra casa, senão eu ficaria lá o dia inteiro. E com Amélia, tive o previlégio de conviver por mais tempo, inclusive foi minha paciente. Lamento não ter estado com Noemi, quando ela estava em Salvador!. Foram essas três mulheres, que mais marcaram a minha vida. Até curso de datilografia e inglês fizemos por incentivos delas!
Saudades também do nosso teatro, e biblioteca! 👏👏👏😃😃😃❤❤❤🌹🌹🌹

Anônimo disse...

MITOS e VERDADES:
VERDADE:
Tia Noemi era, simplesmente, fantástica! Por eu ter a mente lógica, como ela, a adorava! Quando, no longínquo ano de 1955, fiz a última prova no Ginásio de Conquista, para “coloção de grau” do “ginásio”, aos 12 anos e poucos meses, os colegas deram-me “cachaça”, escreveram atrás no meu uniforme a profissão que queria ser, “cantor”, colocaram um mitra - o tal solidéu dos papas - na minha cabeça, bêbado igual uma “paca”, fui para casa. Antes, entrei na casa de Tia Noemi como alguém que quer ajuda, olhou para mim, e, espantada, disse: “vou lhe levar para casa!”. Minha mãe quis me dar uma “surra”, meu pai disse, não, “hoje é um dia especial”.
VERDADE:
Que os deputados sempre tiveram a fama de ladrões, e, por isso, eram ricos, sim, é verdade! As mães, naturalmente, queriam que suas filhas casassem com um deles.
MITO:
Fernando nunca foi econômico, portanto, nunca foi Martins. Sempre nos ofereceu o melhor dos seus vinhos, a melhor das suas cervejas, o queijo mais especial e, fora de série, os whyskies 12 anos.
VERDADE:
O “animal humano” não pede para nascer. Quando um “óvulo” recepciona um dos milhões de “espermatozoides”, começa uma viagem cujo fim é conhecido e temido por muitos pela incerteza. “Logo vem a sequência: o “cara” nasce, com um “Deus”, vive como um Satanás, e morre como um Santo”!
Nessa trajetória, que passa como um relâmpago cabe a cada um estabelecer como quer atravessar esse campo misterioso e ser feliz.
E o que é ser feliz?
Afinal, qual o propósito da vida humana? Essa questão já foi infinitamente respondida de diversas formas, mas, até onde sei, nunca apareceu algo que defina a “felicidade”, mesmo nos momentos de dificuldades extremas. Mas alguém já disse que, se a vida não tivesse um propósito, perderia inteiramente o seu valor. Resta, então, o comportamento individual, cada um destinando o valor da sua vida, aonde quer chegar, como chegar lá! Todos, sem quaisquer dúvidas, querem “ser felizes”, manter-se felizes, nem que, para tanto, precise “correr atrás de um trio elétrico”. Portanto, felicidade é satisfação de pequenos desejos obtidos ao longo da vida, em momentos específicos que devem fazer parte da memória viva das pessoas.
Dessa forma, que bom ler o belo artigo de Bel, sua filha, que me transportou para momentos de grandeza e felicidade, que, hoje, fazem parte da minha história, e poder renovar minhas forças com a lembrança de Tia Noemi, sempre solícita, sempre fechada, sempre resignada, mas, inteiramente feliz mesmo nos momentos mais amaros da vida!

Anônimo disse...

Errata: Leia-se 1959, com 17 anos e doze meses.

Anônimo disse...

Depois de alguns whiskies, corrijo, novamente: 17 anos de dez meses. Agora é verdade!

Fernando disse...

Verdade: Noemi escondia o bolo na sua casa. Uma vez seu neto Igor me disse: Tio, vamos roubar o bolo de minha avó! ... Eu não tive coragem....
Verdade: Quem me contou foi Lau: Quinha foi visitar Noemi, passou o dia na casa dela e não comeu nada. Noemi disse que ela não precisava comer pois estava gorda.
Mito: uma visão geral dos Martins = Casquinha... Mas tem exceção...
Verdade: o lambe-lambe de Noemi era de silicone (nem existia na época) ...deixava o pirex limpo.. Quem inseriu a tecnologia de lambe lambe foi D.Sara, que trouxe dos States. Acabou com nossa infância!

Verdade: tomar um whisky e virar escritor esquece até as quatro operações aritméticas...
Mito: Hamilton cantou no The Voice dos anos 60.... É o resultado? ... Não sabemos.

Vou marcar uma reunião para tomar whisky e falar mal dos Martins

Anônimo disse...

Não cantei no The Voice, Ferro, foi no Escada para o Sucesso!

Fiquei tão nervoso que não consegui terminar a canção "Ó Iraci". Até hoje René brinca dizendo que "ganhei uma caixa de fósforos". Velhos tempos !!!!!!
Hamilton

Anônimo disse...

O provocador espera ansiosamente pela lista dos Martins que não são casquinha.

Quem terá coragem de divulgar essa lista?

O provocador



Fernando disse...

Falar dos Martins é uma coisa realmente encantadora. Falar da miséria dos Martins é prazeroso, supera o encanto. Quanto à lista é muito fácil: os que já foram para o andar de cima, pois lá não precisa comprar abóbora, nem esconder abóbora debaixo da saia, nem esconder bolo, não esconder cocada, não esconder refrigerante de Cristiano no Carnaval. Não precisa mijar no dendê. Nem ficar com cara de paisagem, na hora de pagar a conta. Não precisa escolher o filme pelo preço do minuto.... Não precisa de planilha de despesas até de moedas. Não precisa mandar ligar do trabalho para economizar telefone em casa. Entre outras coisas que estou guardando para outras oportunidades.

Vou salvar também os "Martins Barreto" pois Barreto tem um ponto de equilíbrio que causa inveja aos Martins...

Fernando disse...

Hamilton

Sua história é grande,faça um resuma no CA.

SUA VIAGEM DE SÃO PAULO É PERFEITA.

FERNANDO

Mariana disse...

Martins = raça superior provida de adequado senso crítico no momento de gastar o suado dinheiro proveniente de seus esforços laborais. A Geração 1 (Noemi, Arlindo, etc) ainda não possuía acesso a internet durante boa parte da vida e vivia em harmonia com o "mundo" compacto proporcionado pelo trecho Salvador - Vitória da Conquista. A Geração 2 (Célia, Isabel, Lula, etc) começou a se expandir além das fronteiras desse vasto país (exceção: Dudão - que mal anda de avião ;) . A Geração 3, bem reduzida, parte nasceu em território estrangeiro e parte mudou-se para terras do Tio SAM (Nara, Tarsis, Victor, Igor). Por fim, a Geração 4 é parte americanizada (descendentes de Igor e Nara), parte nacional. Resumindo: os Martins vão dominar o mundo!

Casamento de Amelinha e Arlindo - 1947

Casamento de Amelinha e Arlindo 1 - Maria Rosa Andrade 2 - Nicácia Andrade 3 - Amelinha Barreto 4 - Arlindo Martins 5 - Cecília Martins 6 - ...