domingo, abril 14, 2013

Dois homens, dois cavalos e um cachorro.

Uma história vivida por mim e por Quitão
Neste momento de torcida para que Quitão levante dessa cama e volte a caminhar, vou contar uma história que vivemos no Brejão.

Em meados de 1980 íamos bastante para o Brejão, na verdade eu ia ele já estava lá, praticar equitação, nome bonito que aprendi, mas chamávamos de montar cavalo, andar pelos confins das estradas para pôr a prova nossa capacidade de sobrevivência em cima do cavalo. Os cavalos de lá sempre muito saudáveis, tipo cavalo de filme, acho que a temperatura mais seca do brejão fazia o cavalo ficar mais musculoso, lá na fazenda os bichos sempre sofreram com a temperatura baixa, acho também que o capim devia ter gosto de repolho, de tanto que se plantava repolho por lá. Então numa dessas idas ao Brejão, recebemos uma incumbência de Tio Inocêncio.
Tio Inocêncio – Ô Marcos, pega o cavalo mais Cristiano e vai vacinar aquele gado lá no “retorno do fim do mundo” (nome fictício do lugar – só sei que era longe).
Missão dada é missão cumprida, pegamos os cavalos e partimos na companhia de um bravo cachorro, cachorro de fazenda é metido a caçador, pescador, tocador de ovelha, trainee para virar tatu, enfim, desses que fica o ano na porta de casa esperando um evento para participar.
Passamos as pernas nos animais e lá fomos ao encontro da boiada que estava há quase 1 ano sem ver gente (gado que passa muito tempo sem ver gente fica selvagem.. eu não sabia). Andamos quase 1 hora à cavalo pela estrada de rodagem, depois saímos da estada para o trecho de passagem de animais, estrada de pisada, estreita, sempre um atrás do outro, mais uns 40 minutos andando por dentro do mato. Havia trechos onde a mata fechava por cima que tapava completamente o sol e nos dava a sensação de ser um lugar até meio sombrio, durante a cavalgada somente ouvíamos o som dos passos dos cavalos, Quitão na frente e eu atrás. Por “sorte” levamos um cachorro que teve uma participação importante, ele de tão motivado que estava ia acompanhando por dentro do mato, pulando as raízes mais altas e tentando comer mosquito, o cachorro tava disposto, gostei de ver a energia do bicho, não me lembro o nome do peste, mas irei chamá-lo de Impositivo.
Eu – Esse cachorro é bom Quitão.
Quitão – No Brejão só tem cachorro bom.

Continuamos a cavalgar..
“imagine você ir a um local onde os animais viveram tanto tempo sem ver o homem que passaram a ter certeza que a humanidade se foi, não existem mais homens, cavalos ou  cachorros, nada que os perturbasse.. pois lá fomos, dois homens, dois cavalos e um cachorro.”
Logo que íamos chegando perto do local fomos percebendo que o céu ia abrindo, uma enorme clareira na floresta, um grande tabuleiro cercado por morros de Mata Atlântica nativa, no centro um curral abandonado, o gado pastando naquela malemolência, uma vida de descanso, a relva tão verde que parecia côco com hortelã, era na verdade o paraíso boial. Por alguns segundos admiramos aquela paisagem, visualizamos o gado tranquilo, calmo, sereno tal como se o tempo não passasse mais para eles, olhamos um para o outro e pensamos vai ser moleza.
Quitão – Vai por lá que eu vou por cá (um pela direita e outro pela esqueda)
Eu – Ok
Partimos pelas laterais e neste exato momento o cão Impositivo parte como um foquete direto em direção aos animais, sem fazer curva e latindo como se estivesse declarando guerra a boianidade. O latido do cachorro ecoava das florestas parecendo que o satanás das vacas tinha mandado um representante para sacrificar todos de uma vez, os morros e a floresta confundiam o som, criava uma moldura ao estardalhaço do cachorro que mais parecia um leopardo na relva africana. Quando os animais viram aquele bicho pequeno e valente daquele jeito, entraram na floresta tão desesperadamente que se abalroavam uns nos outros tentando fugir daquele monstro. O diabo do cachorro tangeu as 50 cabeças de gado para dentro da mata com tanta rapidez que mal deu tempo de tirar o chapéu para jogar nele, foi coisa de outro mundo. Nós começamos a gritar com o cachorro e ele simplesmente não parou mais de latir.
O gado se enfiou na mata e a gente não via mais nem sinal de que ali existia gado, ficamos confusos, não sabíamos nem onde entrar na floresta.
Acabamos entrando na mata e por quase meia hora não víamos nada, depois de uns 45 minutos Quitão encontrou um garrote debaixo de um trançado de cipó. Fui ajudar a tirá-lo de lá para dar a vacina.
O bicho quando olhava para a gente tremia de medo e estava tão apavorado que a gente ficou com medo de descer do cavalo por conta de uma reação extrema, mais uma vez, Impositivo ditava o clima de terror, tentava morder a orelha do animal, tentava morder o focinho, tentanva morder as patas, não havia clima para se encostar no bezerro, o cachorro latiu initerruptamente por 2 horas, tempo que ficamos tentando encontrar para onde foram os bois. Não encontramos mais nada, somente o garrote amedrontado. Ficamos roucos de gritar com o cachorro.
Nos afastamos e deixamos o bicho sem tomar a tal vacina e paramos um pouco por fora da mata para descansar. Impositivo acabou de tanger este último para os confins da mata e seu latido foi sumindo no meio da floresta, rezamos para que uma onça o comesse e nunca mais voltasse.
Ficamos inconformados e arrependidos por não ter levado um revolver ou uma espingarda 22 que ele usava para matar boi.
Quitão – Que merda, a gente vai voltar e dizer que o cachorro atrapalhou, quem vai acreditar? cachorro geralmente ajuda..
Eu cocei a cabeça não vendo mais opções a tentar.
Eu -  Eu lhe ajudo a contar, sou testemunha.
Passados uns 10 minutos que agente tentou inventar o que dizer, voltamos a ouvir os latidos do cão em outro tom, só para quem entende o cachorrês é que sabe disso, ele latia como quem estava enfrentando algo.
Quitão – Será que encontrou uma onça?
Eu – Tomara que ela coma esse infeliz.
(os dois) – kkkkkkkkkkkk cachorro filho da puta!
Impositivo sai da mata com os olhos esbugalhados com um salto de aproximadamente 2 metros de altura parecendo que estava fugindo de um matilha e vai desesperado em direção a passagem de volta e numa fração de segundos some por dentro da mata, ainda tentando ver para onde o cachorro foi somos surpreendidos com uma nuvem negra.
(os dois) - Que diabo é isso?
Uma grande nuvem preta saiu por cima da mata e fechou o tabuleiro, pensamos no eclipse solar, no fim do mundo, extraterrestres, pois a nuvem tomava formas diferentes no céu.
Logo que o som da nuvem chega aos nossos ouvidos, vimos que se tratava de uma nuvem de marimbondos pretos, o tal do africano que mata com 5 picadas.
Eu pedi a Deus para nascer 4 rodas e uma turbina no meu cavalo..
- É marimbondo!! Corre!
Saímos em disparada de volta pelo caminho que viemos e entramos com tudo na floresta. A nuvem de marimbondo foi atrás da gente e pegou o vácuo, foi a luta pela vida, a gente ia fazendo as curvas por dentro da floresta fechada e os marombondos atrás da gente, alguns marimbondos chegaram a nos alcançar, chegaram a picar o cavalo, minhas costas, a gente ia correndo e batendo nas costas e no cavalo, para ele correr mais e para matar os bichos, foram uns 10 minutos de desespero junto com uma disparada enlouquecida dos cavalos, que corriam intuitivamente de volta pelo caminho de vinda, nem pegávamos nas rédeas para não atrapalhar a fuga. Por sorte a mata fechada ajudou a despistar os marimbondos, mas os cavalos correram desesperadamente até a estrada.
Chegando na estrada paramos para descansar, os cavalos estavam respirando pela boca e nariz (que é coisa rara) pareciam que iam morrer de tão cansados. Descemos dos cavalos e sentamos a beira da estrada para fazer a contabilidade das picadas 3, 4 picadas no pescoço e nas costas, os cavalos com 10 a 15 picadas espalhadas pelo corpo e neste momento lembramos do cachorro, Imperativo, o cachorro filho da puta.
Eu – Onde será que se enfiou aquele cachorro filho de uma cachorra puta?
Quitão ainda limpando a calça com resto de marimbondo olhou um pouco mais a frente
Quitão – Olha o desgraçado ali!
Lá estava ele, deitado de lado, morto de cansado, dois palmos de língua para fora, todo picado de marimbondo, não aguentava nem se mover direito.
Eu – Quitão, se Deus ajudar esse cachorro morre hoje.
Quitão – Se Deus quiser eu ajudo quando chegar em casa (a 22 o esperava).
Eu - Tem até picada na língua! Pelo menos para latir ele vai dar um tempo.
(os dois) - Kkkkkkkk
Quitão - Só tem uma coisa para a gente fazer quando chegar na sede.
Eu – O que?
Quitão – Vou demitir esse cachorro.
FIM
Na chegada ninguém acreditou na nossa historia, ficou naquela de ok, você não conseguem vacinar o gado, são inexperientes, estão perdoados. Tio Inocêncio mandou uma nova comitiva de vaqueiros para lá, conseguiram vacinar o gado e não viram nada. O cachorro quando chegou recebeu honrarias e o mérito por nos ter salvo dos marimbondos, pois ele estava mais picado e as pessoas achavam que ele tinha enfrentado os insetos, tentamos por a culpa nele, mas ele nem nos olhava, com a cabeça dentro do tacho de carne que ganhou na chegada. Cachorro filho da puta.

14 comentários:

Anônimo disse...

Cristiano, esta foi otima, especialmente com o cachorro saiu de bom. Voce ja voltou la para matar o cachorro?

Lula

CB disse...

Lulão, se não me engano, esse cachorro morreu antes que eu voltasse, com certeza se meteu em alguma encrenca.

Anete disse...

Adorei Cris, nem me lembrava desta história.

art disse...

Se você não matou o cachorro algum mandatário do grupo bovino deve tê-lo feito. Onde já se viu cachorro em paraíso boiano, é igual urubu em festa no céu.

art disse...

Esse cachorro reforça a tese: "O Pluto é filho da Pluta"

Nelly Lemos disse...



Ja ri muito...
Ate queria conhecer este tal cachorro Imperativo... Pena q ja morreu e nao pode mais fazer histórias... Ahahaha

Bel B disse...

kkk... adorei este causo.

Os vaqueiros que foram depois vacinar o gado, certamente não levaram o cachorro.

Igor Matos disse...

Massa.

Fernando disse...

Parabéns Cristiano
O cachorro fez a história sem ele o processo seria normal.
Qual é o nome do cachorro?

Fernando

Fernando disse...

Parabéns Cristiano
O cachorro fez a história sem ele o processo seria normal.
Qual é o nome do cachorro?

Fernando

CB disse...

Fernando, Eu não me lembro do nome do cachorro, mas no texto eu coloquei o nome fictício de Imperativo, dado a personalidade do peste.

Mauricio disse...

Quinho e Quitão: Grande estória.
Bons tempos...
Quinho, de fato nunca vi um cavalo da fazenda Paris que prestasse. A culpa não deve ser só do repolho. Vai ver era tb do tomate, muito cultivado à época.
abs
Ito

Betty Boop disse...

Cristiano,
Adorei!!!
Grande história e muito bem escrita!!!
Valeu demais!!
Me senti intima do Imperador!!
:-)
Rose.

eleusa disse...

Adorei, cachorro filho de uma cachorra puta...kkkkkk

Casamento de Amelinha e Arlindo - 1947

Casamento de Amelinha e Arlindo 1 - Maria Rosa Andrade 2 - Nicácia Andrade 3 - Amelinha Barreto 4 - Arlindo Martins 5 - Cecília Martins 6 - ...