terça-feira, março 06, 2018

Até logo, Califa! Por Ruy Barreto


Como é que a gente se despede de alguém que não queremos nos despedir? É como tentar conter as águas de um rio caudaloso com nossos dedos. A água simplesmente se esvai pelos dedos sem respeitar nosso esforço. Como é tarefa impossível, não tentarei me despedir.

Prefiro lembrar daqueles momentos que alguns chamam de passado, mas que no coração da gente se chama gratidão. Foram tantos, são muitos, serão eternos.

Penso que você, Califa, não teve noção da sua importância na vida de todos que estão aqui, de outros tantos que não puderam vir e de alguns que se anteciparam pra te esperar aí, do outro lado.

Você se espalhou nessa vida como uma figueira e fez uma sombra generosa onde muitos repousaram. A esse jardim sob a figueira você chamou de fazenda Angelim. Até hoje tenho minhas dúvidas se tudo aquilo que trago na memória teria sido um truque de mágica.

Fala a verdade. Aquele rio que corria por aquele leito arenoso realmente existiu? Quem teria colocado aqueles seixos dispostos na margem? Os peixes encantados? Aqueles cavalos? Tudo aquilo existiu?

Quem escreveu em nossas memórias as viagens de Jeep, camionete, rural? Existiu uma casa antes da atual sede? Em algum momento não havia luz por ali? Confesso que tenho muitas perguntas, mas vou parar por aqui.

Não quero respostas para aquilo que não tem explicação. Mas, me diz uma coisa. Quem foi que nunca dormiu ou comeu na sua casa? Será que alguém foi privado disso? Se tiver, lamento dizer que perdeu uma bela experiência.

Como foi que você escolheu duas fadas e um gnomo como filhos, que compartilharam tudo isso com a gente?Que arte foi essa de casar com uma feiticeira que sabia todas as receitas, tinha todos os potes, linhas, agulhas, cremes, conselhos e remédios?

Até seu irmão você me emprestou para sogro, dai se transformou em pai e amigo. Você chegou numa manhã em Canaã e entregou à minha sogra a princesa que eu iria amar e me agraciar com filhos maravilhosos. Fala a verdade, tem um truque aí!

Sim, tem algum segredo que você não quis ensinar ou eu não soube aprender. Não sei se estava pronto pra você, mas você esteve disponível para mim.

Num momento crítico de minha vida, sentado na cozinha de sua casa, eu lhe trouxe um problema, era muito cedo, você acabara de pegar a garrafa de café. Interrompeu seu movimento, pensou, esticou o pescoço como quem procura um novo encaixe para as ideias e perguntou:

“você está bem? Alguém se machucou?”

Como lhe respondi que estava bem que ninguém havia se machucado. Você seguiu o movimento, colocou uma talagada de café na xícara e disse:

“tudo bem, a gente resolve isso daqui a pouco.”

Daí, você tomou aquele gole de café e até hoje eu tento beber café daquele jeito.

Me pergunto se você era como um lago.

Aquela aparente displicência parecia a superfície do lago, com águas calmas e quietas, mas que guardam um turbilhão de correntes, profundezas, deusas, sereias, monstros de outras eras e segredos desde sempre.

Havia algo de enigmático no seu silêncio. Você parecia mergulhar numa viagem inconsciente, seu corpo permanecia presente, enquanto sua alma percorria outros mundos.

Hoje você apresentou uma nova mágica, resolveu brincar diferente, viajou o corpo, para deixar sua presença para sempre entre nós.

Até logo, Califa!

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