quinta-feira, dezembro 31, 2015


Bônus de Família
Quando criança, escutava as pessoas comentando que esperavam o bônus do natal ou o bônus de férias para cumprir determinados compromissos financeiros. Mais tarde, este termo sumiu do circuito e, com a ação de sindicatos, as bonificações financeiras das empresas tornaram-se obrigatórias, tal como o 13º salário e, em algumas empresas, a PL.
Sempre gostei deste termo, embora não o relacionasse com dinheiro, mas sim à felicidade que as pessoas ansiosamente falavam do tal do bônus. Um dicionário que sempre uso é muito frio ao esclarecer este termo tão bonito e de muitas lembranças: prêmio, bonificação ou vantagem que se concede aos portadores de certos títulos; na internet, encontro definições como: prêmio ou vantagem concedida, por sorteio, aos portadores de certos títulos. Enfim, diferente de ônus, o termo bônus está sempre relacionado com alguma vantagem.
Nos Estados Unidos, ao se descrever as características de uma casa, além do número de quartos e banheiros, tamanho da cozinha, etc., algumas têm o bônus (não sei se usa também este termo no Brasil). Este é um cômodo de uso indeterminado, que, por sua versatilidade, pode ser até o mais usado da casa, seja como quarto de dormir ou de brinquedos das crianças, escritório, hometheather, ou simplesmente um lugar para relaxar. Em minha casa, o bônus é a oficina de Ademário.
Em que pese o caráter abstrato da família, sempre relaciono a casa como a sua parte física, como se fora o “corpo” que abriga o “espírito”. Por outro lado, a família, para existir, deve ter sua estrutura, formada pelos pais e os filhos, e a sequência anterior e posterior. E o bônus da casa, um cômodo multifuncional, ocasional, o que isto representaria na estrutura familiar?
Para mim, o bônus, a vantagem, a gratificação, o prêmio, ou qualquer outro termo adequado que represente o elemento de função indeterminada na família, mas de extrema importância, é o tio.
Eu tenho e tive os melhores tios e tias que alguém poderia desejar, todos sempre compenetrados no papel ambíguo desta relação familiar: ora pai e mãe, ora irmão e irmã, ora amigo e amiga.
Os tios mais velhos, por parte de pai, eram interessantes, cada um por suas particularidades, e guardo muitas boas lembranças de todos: tia Zaia (Isaías) adorava quando penteávamos seu cabelo (branco e muito fino) para tirar um cochilo; tia Dora, tia Noemi e tia Carmélia, otimistas, esfuziantes, curiosas, inteligentes, e sempre de bem com a vida. Nem a longa doença conseguiu abater a energia de Tia Noemi.
Do lado de minha mãe, um tantão de tios e tias, inclusive os agregados pelo casamento. Os mais velhos assumiam o papel de guardião, mas sempre muito divertidos e, com um jeito especial, indicando o caminho a seguir. Edinho foi o ponto de inflexão nesta sequência. Um fato marcante aconteceu por volta de 1969, numa madrugada em São Paulo, quando voltávamos a pé para casa, pois os ônibus não circulavam nestas horas. Passávamos por Ibirapuera e resolvemos subir no Monumento aos Bandeirantes. Era época da ditadura. Quando estávamos aproveitando a vista do alto do Monumento, chegaram os militares, nos mandaram descer e logo perguntaram onde tínhamos colocado a bomba. Penso que nossa cara de espanto foi tão grande, que eles apenas pediram nossos documentos e depois nos mandaram ir para casa, sem inventar estripulias. Nesta mesma época, Edinho e Abraão, um amigo colega de Duda, carregaram uma cadeira de “pau” de abrir quando saíamos de um bar. Em casa, minha mãe exigiu que Edinho voltasse para devolver, mas a cadeira ficou comigo até a mudança para os Estados Unidos, quando devolvi para Edinho, seu verdadeiro proprietário.
Tive a sorte de conviver com tia Noe e tia Norma toda minha infância, quando morávamos juntas e, quando se casaram, sempre moraram por perto. Lembro-me, quando era muito nova, acordei à noite com medo de alma, coisa comum naquela época, antes deste negócio do politicamente correto. Corri para a cama das duas e foi lá que aprendi a mandar as almas para o outro mundo. Com elas, aprendi a me livrar das coisas que assustam.
E o tio Pango? Ninguém pode deixar de falar dele. Além de tio e companheiro, Fernando se caracteriza como um dos tripés da família (que podem ser três, mas também podem 20). Mesmo depois dos sessentas, é para ele que corro para me “aconselhar”.
Não posso falar de todos os tios aqui, pois este não seria um post, mas um livro de muitas páginas, ainda mais se somasse os agregados, Inocêncio, Elifaz e, como não, tia Sandra(!), que literalmente deu conta da chegada de Nara e Mariana. Cada tio me deu um pedacinho de si, que consolidou e faz parte de minha personalidade.
No facebook e principalmente no whatsup, sempre estão os recadinhos e os elogios de Anete, de Ivana, Ana Paula, enfim, dos tios e tias para os sobrinhos, comprovando que os tios continuam firme no seu papel, fortalecendo a estrutura familiar e demonstrando a fortaleza e a preciosidade desta relação.
O que mais me espanta é que inventam dia para tudo. Tem os tradicionais dias dos pais, das mães, dos namorados, e agora do animal de estimação, do abraço, do amigo e outros muitos até esquisitos. Mas, cadê o dia dos tios?
Para que? eles são especiais todos os dias.

6 comentários:

Fernando disse...

SER TIO É DIVIDIR RESPONSABILIDADE COM SEUS IRMÃOS ...................salve tia Cecília.

Fernando

Bel B disse...

Nunca vi a palavra bônus, aqui no Brasil, ser usada para um cantinho a mais numa casa. Muito legal, melhor um bônus que um cômodo extra, ou qualquer coisa assim como se falam. O bônus realmente já nos dá ideia de coisa boa.

Depois que começaram a chamar todos de tios, não aqueles que eram amigos de família e viravam verdadeiros tios, mas sim esta banalização das crianças chamarem os professores de tios, os meninos de rua chamarem as pessoas de tios, os colegas e amigos dos filhos e sobrinhos que a primeira vez que nos encontra começam a nos chamar de tios (as vezes eu até me espantava!)... o tio ficou um pouco desvalorizado.
Eu que sou só tia vivo defendendo esta classe, mas ficava pensando será que é porque não sou mãe? Finalmente aparece alguém que é mãe e avó, fazendo uma bela homenagem aos tios.


Fernando disse...

Um certo dia parei numa sinaleira e um pivete se dirigiu a mim : "Tio, me dá um dinheiro!" E eu respondi, bem calmo: "se você fosse filho de meu irmão, eu dava uma surra em seu pai e lhe levava agora daqui seu fdp!"... Eu não sou seu tio!

Outro dia, há muito tempo (fim dos anos 60 na Piedade), fui comprar um acarajé e falei com a baiana: "Tia, me dê um acarajé com pimenta e camarão!" . E ela me repondeu, numa boa: "Tudo bem, mas eu não sou sua tia!". Pedi desculpas e reconheci que ser tio(a) é compromisso e responsabilidade.

Celia disse...

Propositalmente, deixei um dos últimos parágrafos da postagem para os comentários, justamente porque é difícil citar Isabel, prima e amiga de infância,como tia. Mas, é isto, a vida dá as voltas que ela quer e nós seguimos a valsa. Obrigada, tia Bel, outro bônus de família não só para mim, mas para muitos dos nossos primos.

Unknown disse...

Muito bom seu texto Célia, homenágem oportuna e gratificante, é muito bom ser tia,meus sobrinhos são muito especiais,você foi a primeira sobrinha,muitas histórias e lembranças

Bete disse...

Gostei muito do texto, Célia. Amélia e Noeme sempre foram mais tias pra mim do que primas. Mais respeitadas até, que as minhas tias.
Também os primos e primas, foram e são bônus inestimáveis. Beijos

Casamento de Amelinha e Arlindo - 1947

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