sexta-feira, outubro 30, 2015

A feira

Sou um homem de família. Um homem direito. Vou à feira aos sábados. E por isso estou aqui parado com a lista de compras na mão, enquanto a outra segura o carrinho. Ele me sai detrás da árvore e fica na minha frente com os braços estendidos retos ao longo do corpo como que avaliando minha reação por vê-lo usando uma de minhas bermudas... Sigo andando, passo pela Igreja Batista que apregoa sua existência pelas letras pretas: Igreja Batista do Jardim Botânico.

- Interessante a teologia dos crentes, não é? Me pergunta para puxar conversa.
- É. Respondi econômicamente enquanto acendia um cigarro.
- Deus para os crentes é um quadrado infinito, apesar de infinito contem forma e em algum lugar fronteira - explicou Walser examinando um dos bolsos da bermuda.

Ele ficava bem na minha  bermuda emprestada. O que procurava no bolso afinal? Ah, achou um papelzinho. Walser adora papeizinhos, ele escrevia suas obras neles em alemão gótico com letras de não mais um milímetro de altura.

- É verdade. Atribuição de caracterísitcas humanas a Ele é uma prática comum por aqui.

- Pobres homens, precisam de ajuda. Os deuses talvez devessem e pudessem fazê-lo, caso existissem, mas não existem; o que há é apenas um único Deus, demasiado sublime para ser de alguma valia.
Prover ajuda e alívio, tais coisas nem seriam apropriadas ao Todo Poderoso ou pelo menos é o que eu sinto.

Tentei articular uma resposta, mas ela fugiu como faz a lembrança de um perfume.

Retomei meu caminho para a feira. Ele me seguia, as vezes dando saltinhos esquisitos. Aqui entre nós, além de imaginário Walser é um carinha excêntrico.

- Você não me parece tão medíocre quanto a época em que vive, prosseguiu.
- Você está dizendo isso apenas porque veio de minha imaginação, respondi dando outra tragada.
- Não tenho dúvida, meu caro, o Mal é necessário como parte do Bem maior, inexpugnável. Sem o Mal não há o livre arbítrio - arrematou Walser gesticulando também querendo um cigarro.

Mefistófeles está aqui para isso.

 

8 comentários:

CB disse...

Sempre achei que havia uma relação entre o BEM pregado e cantado com o MAL, tanto há de existir que é inexpugnável, como bem citou. Carrego a dúvida de saber se a Mefistófeles é um ser criado pela palavra do BEM ou um ser abrandado em nós, por ter nascido junto conosco ou por sermos a própria figura.

Parafraseando Hume na "Investigação sobre os principios da moral" diria que estamos dispostos ao que der e vier, não pelo ensinamento, mas pela disponibilidade daquilo que queremos, violentos talvez por fome, mas também por mero querer, tal como quem nasce..

art disse...

Acredito na segunda hipótese (um ser abrandado em nós). Aliás não há nada mais deprimente do que um desejo saciado

art disse...

Para St Agostinho o mal é necessário para que tenhamos a vigência do livre arbítrio, atributo negado aos anjos por exemplo, segundo ele.

CB disse...

Então pelas palavras de St. Agostinho esse mal necessario vem de onde?

art disse...

Do Criador.

Cristiano Barreto disse...

Putz

Fernando disse...

Estou preocupado que dois sobrinhos mude de lado (PADRE).se acontecer vou para o evangélico.

Fernando

Cristiano Barreto disse...

Tamo junto!

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